FAVELAS E COMUNIDADES URBANAS.
O QUE MUDOU?

IBGE abandona conceito de “aglomerados subnormais” e adota novas estratégias para mapear a população residente em favelas no Brasil

Texto: Elena Wesley e Polinho Mota
Foto: Acervo CocôZap

O Censo 2010 do IBGE identificou 6.329 favelas e comunidades urbanas, onde residiam 11.425.644 pessoas. Já em 2022, o mapeamento registrou 12.348 favelas e comunidades urbanas, com um total de 16.390.815 habitantes. O aumento no número de favelas e comunidades urbanas no último censo e, consequentemente, da população que mora nessas áreas, não significa necessariamente o surgimento de novos territórios populares no país entre 2010 e 2022. A mudança é reflexo também de aprimoramentos operacionais do próprio instituto, que possibilitaram uma reformulação de critérios e uma nova abordagem sobre o tema.

Entre as estratégias adotadas destacam-se os treinamentos mais específicos sobre a abordagem nesses territórios e ainda o acompanhamento da coleta por meio dos dados georreferenciados referentes aos pontos de energia elétrica fornecidos pela ANEEL. Fez diferença ainda o engajamento das equipes locais com o tema e as inovações tecnológicas que resultaram na melhoria das imagens orbitais. 

Um marco para a maneira como o IBGE enxergará as favelas e comunidades urbanas a partir de agora é a adoção desse termo em substituição à nomenclatura “aglomerados subnormais”, utilizada desde 1991. A alteração foi oficializada em janeiro deste ano, depois de forte incidência de organizações da sociedade civil. Em 2021, o IBGE havia constituído o Grupo de Trabalho de Favelas e Comunidades Urbanas, com o objetivo de apoiar o aprimoramento das etapas de pesquisa do Censo 2022 e de retomar o debate sobre a mudança do conceito “aglomerado subnormal”.

O processo culminou no Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas no Brasil, realizado em setembro do ano passado. A conferência reuniu profissionais do instituto, ativistas e especialistas a fim de reestruturar as metodologias, as narrativas e as formas de atuação do IBGE nesses territórios, considerando o trabalho de organizações não governamentais na produção de informações estatísticas, como é o caso do data_labe, que esteve presente no evento junto a outros parceiros do campo da geração cidadã de dados. 

Além de tirar os territórios populares do lugar da “anormalidade”, os participantes buscaram priorizar a diversidade dessas localidades em todo o país e os desafios para o mapeamento, coleta e supervisão nesses territórios.

No vídeo abaixo, o coordenador de dados do data_labe, Polinho Mota, fala mais sobre o processo de adoção do conceito de “favelas e comunidades urbanas”:

Entenda como era e o que mudou com a nova nomenclatura

Mais do que adotar um novo nome, o IBGE redigiu novos critérios para identificar e mapear as favelas e comunidades urbanas. Para isso, o instituto procurou não reforçar estigmas aos quais esses territórios são associados, como os de “carência”, bem como se dedicou a ressaltar o direito da população de favelas e comunidades urbanas à moradia.

Veja as alterações nas tabelas abaixo: 

Conceito:

Como era

Como ficou

Aglomerados subnormais são formas de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia (públicos ou privados) para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e a localização em áreas que apresentam restrições à ocupação.

Favelas e comunidades urbanas são territórios populares originados das diversas estratégias utilizadas pela população para atender, geralmente de forma autônoma e coletiva, às suas necessidades de moradia, diante da insuficiência e inadequação das políticas públicas e investimentos privados dirigidos à garantia do direito à cidade. Constituem identidade e representação comunitária e se manifestam em diferentes formas e nomenclaturas. Retratam a precariedade de infraestrutura, serviços urbanos, equipamentos coletivos e proteção ambiental, reproduzindo condições de vulnerabilidade que se agravam com a insegurança jurídica da posse, que também compromete o direito à moradia e a proteção legal contra despejos forçados e remoções.

Critérios:

Como era

Como ficou

Caso haja ocupação irregular da terra, agora ou em período recente, e quando se soma a ela os critérios a seguir:

Predominância de domicílios com graus diferenciados de insegurança jurídica da posse e pelo menos um dos demais critérios abaixo:

Precariedade de serviços públicos essenciais, como iluminação pública domiciliar, abastecimento de água, coleta de lixo, esgotamento sanitário.

Ausência ou oferta incompleta e/ou precária de serviços públicos (iluminação elétrica pública e domiciliar, abastecimento de água, esgotamento sanitário, sistemas de drenagem e coleta de lixo regular por parte das instituições competentes)

Urbanização fora dos padrões vigentes,  refletida pela presença de vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanho e formas desiguais, ausência de calçadas ou de largura irregular e construções não regularizadas por órgãos públicos.

Predomínio de edificações, arruamento e infraestrutura que usualmente são autoproduzidos e ou se orientam por parâmetros urbanísticos e construtivos distintos dos definidos pelos órgãos públicos.

Dados específicos sobre as favelas e periferias apontam cenário ainda desigual

Em novembro deste ano, a delegação do IBGE esteve na Maré para lançar dados sobre as favelas e comunidades urbanas a partir do Censo de 2022. A publicação apresenta recortes de dados relacionados ao número de favelas e comunidades urbanas no país, assim como os recortes de raça, idade e de acesso a direitos que apontam como a população residente nesses territórios ainda vive um cotidiano muito diferente dos demais brasileiros. 

Moradores das favelas e comunidades urbanas vivem menos do que os demais brasileiros. O índice de envelhecimento nesses territórios é de 45 idosos para cada 100 crianças, enquanto a estimativa no Brasil é de 80 idosos para cada 100 crianças.

A proporção da população negra (soma de pretos e pardos) é muito superior nas favelas e comunidades urbanas em comparação com o total do país. Enquanto nas favelas estão registradas 72,9% de pessoas negras e 26,6% de pessoas brancas, a população total do Brasil soma 55,5% de pessoas negras e 43,5% de brancas. 

Chama atenção também a escassez de equipamentos públicos nas favelas e comunidades urbanas. Entre 958.251 estabelecimentos encontrados pelo Censo 2022,  somente 7.896 são de ensino e 2.792 de saúde, números preocupantes para atender a mais de 16 milhões de pessoas.

O Censo também traz informações sobre saneamento básico. A pesquisa aponta que 86,4% de todos os domicílios particulares permanentes ocupados nas favelas e comunidades urbanas possuem ligação à rede geral e a utilizam como a principal fonte de abastecimento de água. O percentual é bem próximo da média nacional, porém a pesquisadora Letícia Giannella, que representou o Setor de Territórios Sociais da Coordenação de Geografia do IBGE durante o evento, ponderou que o IBGE considera a existência do serviço e não a qualidade do que é oferecido à população. Ou seja, uma pessoa cujo fornecimento de água é realizado apenas uma vez na semana aparece nos dados como alguém que tem acesso à ligação geral de água, assim como aquela que desfruta de um abastecimento regular. 

Consulte mais dados do Censo 2022 sobre favelas e comunidades urbanas aqui. Você também pode assistir ao evento pela transmissão no Youtube do IBGE.

O lançamento da publicação deixa a expectativa de que mais dados sejam produzidos considerando as particularidades das favelas e comunidades urbanas e, sobretudo, que os relatórios possam contribuir para políticas públicas que, de fato, assegurem direitos à população que mora nesses territórios.

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