FLORESTA E FAVELA
SÃO PALAVRAS RIVAIS?

Mareenses lutam contra as mudanças climáticas debatidas na COP 26 que afetam o conjunto de favelas e o mundo.

“Onde existe muita floresta existe muita pobreza”, disse o ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, na COP26, um dos eventos mais importantes para o debate mundial de questões ambientais e climáticas. Essa frase põe em xeque toda a discussão relacionada à justiça ambiental e climática – da Maré ao mundo. 

Mas antes de explicar por que essa frase não cola, deixa eu te contar o que é a COP26. Chamada comumente de “COP”, a Conferência das Partes é um evento da Organização das Nações Unidas que anualmente reúne representantes de todos os países para discutir questões importantes relacionadas ao meio ambiente e ao clima. Neste ano ocorreu a vigésima sexta edição da COP, por isso COP26. 

Na contramão da fala do ministro, percebe-se que as florestas – e espaços verdes, no geral – estão presentes majoritariamente nas partes mais nobres das cidades. Basta ver que os bairros mais arborizados do Rio de Janeiro são o Alto da Boa Vista e São Conrado. A Maré, o maior conjunto de favelas da capital fluminense, é um exemplo de como a lógica do ministro não se aplica: uma das faces da pobreza está justamente ligada à falta de espaços verdes.

Mudanças Climáticas afetam a Maré?

Ecologia não é coisa de rico. O debate sobre questões climáticas frequentemente é feito em lugares distantes das favelas e periferias, como a Maré, e, por isso, passa a falsa impressão de que é um debate distante e que pouco afeta a vida dos mareenses. Mas na verdade as pessoas que moram nas favelas e periferias serão as primeiras a sofrerem os danos causados pelas mudanças climáticas. 

Duvida? O data_labe instalou medidores de temperatura na sede do laboratório, que fica na Baixa do Sapateiro. Os dispositivos indicam que, enquanto a média do Rio de Janeiro durante o inverno (entre junho e setembro) foi de 25 graus celsius, na Maré a temperatura chegou a 30 graus. Isso significa que a Maré experimenta um fenômeno conhecido como “’ilhas de calor”, que são áreas da cidade onde a temperatura média é mais alta devido à atividade humana e às condições estruturais. Caso a temperatura global continue aumentando devido às mudanças climáticas, a Maré vai ficar mais quente ainda, visto que não está preparada para enfrentar um cenário climático mais adverso. 

Um dos principais problemas que o calor intenso provoca está relacionado à saúde. É o que explica a arquiteta e urbanista Carolina Galeazzi. “O calor em si pode não ser a causa imediata de doenças, mas ele é responsável pela piora delas. Esse é um problema ainda maior ao se tratar de idosos, que por já serem mais vulneráveis, podem ser levados a óbito devido a piora dos seus quadros clínicos”, afirma a pesquisadora da UFRJ, que aborda o impacto das mudanças climáticas na Maré em sua tese de doutorado a partir de medidores de temperatura e umidade. 

Na COP26, todos os países se comprometeram a  mudar suas políticas para que o aquecimento global não ultrapasse os 1,5°C. Para isso, o ministro Joaquim Leite garantiu que o Brasil vai reduzir pela metade, até 2030, a emissão de gases de efeito estufa, um dos principais responsáveis pelo aumento da temperatura global. Esse compromisso é firmado em um momento decisivo para o Brasil, que tem níveis alarmantes de desmatamento e está entre os dez países que mais emitem gases de efeito estufa. 

Em meio à emergência climática, Galeazzi afirma que é importante que sejam tomadas ações para nossa adaptação às condições adversas que começam a surgir: “Com o aumento da temperatura global, ocorre também a amplificação das ondas de calor e, consequentemente, a situação da Maré, com suas ilhas de calor, piora. Daí a necessidade do monitoramento das temperaturas, e também da modificação da forma urbana da Maré: mais espaços verdes, melhor mobilidade e menor poluição são essenciais.” 

A poluição também é um dos fatores que afasta a Maré de um conforto ambiental e climático. Brenda Pinto, estudante de biologia na UFRJ e representante do coletivo Muda Maré, percebe esses efeitos: “O Complexo da Maré é rodeado pelas três principais vias expressas da cidade, e a gente percebe como o Parque Ecológico da Maré, por ser um dos poucos lugares verdes, é também um dos poucos lugares que traz um ar fresco.”

 A sensação da Brenda não é apenas uma impressão particular. A concentração de uma poeira prejudicial ao corpo humano na Maré foi cinco vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde. É o que apontam dados preliminares da tese de doutorado do cientista de dados Paulo Mota, membro do data_labe. 

“Um dos poluentes do ar é o Material Particulado de 2,5 nanogramas. É uma poeira extremamente fina e que, por isso, consegue atravessar as paredes e filtros do nosso sistema respiratório e que, em excesso, ficará depositada em nosso organismo. Existem estudos desde a década de 1990 que comprovam que pessoas expostas a mais de 25 nanogramas por metro cúbico desse material têm mais chances de desenvolver doenças respiratórias e cardíacas como infarto agudo. Isso implica também o aumento da mortalidade a nível populacional. E na Maré identificamos uma concentração acima de 50, quando o recomendado são 10”, explica.

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A maior fonte de Material Particulado 2,5 são as combustões/queimas, como as que ocorrem nos motores de automóveis dependentes de combustíveis. Como a Maré está localizada entre duas avenidas extremamente movimentadas, eram esperados altos índices de Material Particulado. O que preocupa é que com a redução de chuvas no inverno deste ano e com o ar mais seco, esse material ficou suspenso durante um longo período, o que, a curto prazo, causa alergias e alguns incômodos respiratórios, principalmente para quem mora em lugares com menos infraestrutura.

Deixando a Maré verde

Dias antes da COP26 começar, jovens moradores de diferentes partes da Maré se reuniram para pensar em como lidar com os efeitos das mudanças climáticas no território. O evento foi organizado pelo Cocôzap, um braço do data_labe no monitoramento e geração cidadã de dados, Maré Verde, uma iniciativa da Redes da Maré, e o Muda Maré, um projeto de extensão da UFRJ e aconteceu no Parque Ecológico do Pinheiro, um dos poucos lugares verdes existentes no Complexo da Maré. 

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Jovens da Maré se reuniram no Parque Ecológico do Pinheiro para pensar estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas.

No encontro, Camila Felippe, integrante do coletivo “Resistência Lésbica na Maré”, contou suas motivações na luta por espaços mais verdes nas favelas: “A favela também interage com o meio ambiente. Revitalizar espaços como o Parque Ecológico da Maré, que é um dos únicos espaços verdes que temos no território, é uma questão social, de afetos e de pensar um futuro melhor.” 

Entre as estratégias pensadas pelos participantes para vislumbrar melhorias na situação ambiental das favelas e, geral estão a revitalização de espaços verdes, plantio de árvores e criação de hortas comunitárias”. 

Entretanto, não basta apenas a mobilização dos moradores. Para reverter a situação, são necessárias ações do governo. Todas as pessoas têm, por lei, o direito à moradia e a cidades sustentáveis e seguras para o seu desenvolvimento como cidadão – seja na favela ou no asfalto.  

“Se a gente consegue encontrar um lugar para descartar entulhos, esse mesmo lugar poderia ser utilizado para plantar e criar espaços mais verdes. É função do Estado fazer isso. E os benefícios seriam inestimáveis”, reforça. 

No fim das contas, seja na COP ou na Maré, as mudanças precisam acontecer. É mais do que uma necessidade, é um direito.

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