ÁGUA TRANSPARENTE, COBRANÇA NEM TANTO

Na Maré, moradores e comerciantes temem não ter como pagar tarifas da nova concessionária.

Reportagem: Edilana Damasceno
Edição: Elena Wesley

Embora os moradores da Maré tenham sido os primeiros a pensar e agir pelo saneamento dos territórios em que moram, eles sempre participaram pouco das decisões técnicas e políticas tomadas em relação às favelas. Hoje, com a nova concessionária responsável pela distribuição de água e a captação e tratamento do esgoto no Rio de Janeiro, o cenário não é diferente.

Vencedor do leilão do bloco 4 da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), o grupo Águas do Rio — Saneamento Ambiental Águas do Brasil (SAAB) passou a ser responsável pelo fornecimento de água e esgotamento sanitário das zonas Norte e Sul e mais do Centro do Rio, além de mais 26 municípios fluminenses. A expectativa da população por melhorias e acertos na garantia do saneamento básico (como definido no contrato de concessão) tem sido impactada pela desinformação e incerteza.

Isso se deve principalmente por conta de uma falha da Cedae: Por muito tempo, milhares de moradores não pagaram pelos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto. Por não serem regularizados, muitos também não se sentiram no direito de cobrar por melhorias. Agora, com a chegada da nova empresa, não são poucos os boatos sobre a cobrança pelo serviço e os valores que ela poderia alcançar.

Cada gota vale

Famílias que residem em áreas de interesse social (porções da cidade destinadas às populações de baixa renda) têm direito à tarifa social, segundo o Decreto nº 25.438/1999. Mesmo assim, para muitas famílias da Maré, o pouco ainda significa muito. Segundo a Águas do Rio, o valor atual da tarifa social é de R$ 40,42 referentes aos serviços de esgotamento sanitário e oferta de 15 mil litros mensais de água. Caso esse limite seja ultrapassado, o valor a ser pago aumenta progressivamente.

O problema é que o volume definido para a tarifa social é inferior ao consumo de água da maioria das famílias. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2020, o consumo médio por pessoa no município do Rio é de 166 litros de água por dia, o que dá cerca de cinco mil litros por mês. Uma família de mais de três pessoas, principalmente no verão, ultrapassaria facilmente essa cota.

Obter o benefício é outro problema. A pesquisadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Patrícia Finamore explica que alguns critérios dificultam o acesso ao direito — entre eles, a necessidade de o próprio morador ter que apresentar documentos que comprovem a situação do imóvel.

“Por que isso não pode ser feito de forma automática? Por que não cadastrar as famílias na tarifa social no momento em que se reconhece o local em que elas residem, ou a situação socioeconômica delas, de acordo com a inscrição no Cadastro Único?”, questiona a especialista.

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Pouco se sabe, muito se comenta: para moradores, falta informação clara sobre cobranças e acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

O preço do desconto

Para pagar a tarifa social, o morador precisa instalar um hidrômetro, que é o medidor do consumo de água da residência. Com ele, é possível calcular não apenas o volume de água, como também quanto de esgoto produzido será preciso tratar. De acordo com dados do SNIS de 2020, o índice de hidrometração do Rio de Janeiro é de apenas 42,2%, bem abaixo da média nacional que é de 91,3%. Ou seja, não é exclusividade da Maré que muitas moradias não tenham hidrômetro.

Segundo a assessoria da Águas do Rio, os moradores que desejarem a instalação do hidrômetro em sua residência para pagar a tarifa social devem fazer o pedido na loja da concessionária. A medição do consumo de água de todas as casas ainda não tem data estabelecida; segundo a empresa, ela deve ocorrer por meio do programa de relacionamento comercial Vem com a gente, que também prevê a realização de novas ligações de água, reparos, entre outros serviços.

Apesar de o processo de hidrometração ainda não ter avançado, em algumas localidades da Maré as faturas já começaram a chegar. Segundo Francisco Soares, síndico de apartamentos no Conjunto Esperança, a Águas do Rio está cobrando os R$ 40,42 por residência. Contudo, a fatura não tem vindo por unidade. Diante da impossibilidade de instalar hidrômetros individuais, a empresa vai agrupar a cobrança dos 40 apartamentos do conjunto em uma única conta: “Alguns moradores não conseguem pagar nem o condomínio, imagina pagando água? Vai sobrar pro síndico, né?”, questiona Francisco.

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Proprietária do Escondidinho da Jô, na Nova Holanda, está preocupada com impacto da cobrança para comerciantes.

Água no orçamento

O maior problema para os moradores é, na verdade, o valor da fatura. Mesmo com a adesão à tarifa social, a cobrança significa hoje um rombo no orçamento familiar: pagar a conta significa comprar menos comida — o equivalente a, por exemplo, cerca de sete quilos de arroz.

Outro fator preocupante é a cobrança diferenciada para o comércio. A falta de comunicação entre empresa e clientes gerou uma onda de boatos. A informação que circula entre os comerciantes, por exemplo, é que a tarifa para eles poderá chegar a R$ 150,00 para desespero de Jô, proprietária do Escondidinho da Jô, na Nova Holanda: “Fiquei sabendo por alto o quanto vai ser cobrado. Todo mês tem fatura de água, luz, gás. Já tá tudo muito caro, não tem como”.

O quiosque da comerciante fica a menos de 50 metros da loja de atendimento da Águas do Rio na Maré, o que revela uma comunicação ineficiente da empresa com a comunidade no seu entorno: “A gente soube pelo boca a boca, mas não tem comunicação. Se o serviço chegasse direitinho, poderiam reduzir um pouco o valor da cobrança. Querendo ou não, eles estão trabalhando e têm que ganhar pelo trabalho também, não vamos ser injustos”, avalia.

Questionada, a concessionária informou que o valor da tarifa comercial é determinada segundo diferentes critérios para cada categoria de estabelecimento, porém a empresa não especificou quais nem quantos eles seriam.

Água é direito

Até o momento, os moradores do Conjunto Esperança resistem aos aumentos repentinos. Para eles, não faz sentido pagar por uma melhoria que nem sabem se chegará: “Só aceitaremos quando tudo estiver legalizado, com hidrômetros instalados e tudo certo. Eles querem arrecadar para depois consertar; aí, já sabe”, diz o síndico.

Patrícia Finamore afirma que tão importante quanto garantir a tarifa social é incluir as famílias que não têm condições de custear os serviços de água e esgoto no planejamento. O ideal seria assegurar o volume mínimo de água, que equivale ao essencial para a sobrevivência, já determinado pela Organizações das Nações Unidas (ONU). Assim, cortes de água passariam a ser proibidos em determinados casos.

Segundo dados da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC), 52% das famílias inscritas no Cadastro Único Nacional encontram-se em situação de extrema pobreza, o que mostra que a existência de uma tarifa social não garante que elas tenham o mínimo vital de água para a sobrevivência.

“A cobrança abusiva impede essas famílias de terem acesso a outros bens e serviços necessários à própria sobrevivência, ou seja, elas podem deixar de comer para ter água”, explica a pesquisadora.

Como se cadastrar na Tarifa Social

Loja Águas do Rio na Maré: Rua Teixeira Ribeiro, s/nº – Bonsucesso (Em frente à ONG Luta pela Paz), das 9h às 16h.

WhatsApp: 0800 195 0 195
Ouvidoria: 0800 195 0 200
E-mail: [email protected]

Essa reportagem é resultado de parceria do Maré de Notícias com o data_labe e foi produzida pelo CocôZap, um projeto de mapeamento, incidência e participação cidadã sobre saneamento básico nas favelas.

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