EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS
ESCOLAS DA MARÉ

De forma divertida e palpável, educadores têm tornado o cuidado com o meio ambiente uma prática constante no dia a dia de estudantes.

Quem nunca, na escola, transformou um pedaço de algodão e um caroço de feijão em uma muda? Ou até mesmo aprendeu a transformar uma caixa de leite em um porta-trecos? Tudo isso já era educação ambiental. Porém, o conceito vai muito além de experimentos nas aulas da educação infantil; é, na verdade, um direito assegurado por lei. Nas escolas da  Maré, educação ambiental é assunto prioritário na grade curricular, assim como as disciplinas tradicionais, como Matemática e Português. De forma divertida e palpável, educadores têm buscado tornar o cuidado com o meio ambiente uma prática constante no dia a dia de estudantes.

Uma das unidades protagonistas no tema é o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, na Nova Holanda. Aqui, falar sobre educação ambiental é mais do que pensar num futuro melhor para as próximas gerações, engloba também falar sobre o passado da favela. E quem sabe contar essa história de cor é Marcelo Belford, diretor do colégio. Desde 1980, quando ainda era adolescente, Marcelo acompanhava a pauta do saneamento básico na Maré. Hoje, aos 57 anos, ele tenta resgatar esses valores a partir da abordagem da temática ambiental nas salas de aula.

“[A educação ambiental] é a garantia de que teremos uma vivência saudável, feliz e comprometida com o futuro das gerações que virão depois de nós”, resume Marcelo.

O Artigo 225 da Constituição Federal estabelece que “ Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” e afirma, ainda nesse trecho, que, para assegurar o acesso de todas as pessoas a esse bem comum, o Estado deve “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

Apesar das determinações da legislação brasileira, a educação ambiental não é considerada uma prioridade dentro de muitos ambientes escolares. E o maior perigo do tema não ser abordado na sala de aula é que a falta de conhecimento sobre o meio ambiente traz prejuízos para a sociedade como um todo, mas principalmente para quem mora na favela. O modo de vida atual, marcado por altos índices de poluição dos carros e indústrias, desmatamento, desperdício de água, baixos investimentos em tratamento de esgoto, resulta nas dificuldades que percebemos no cotidiano: o calorão que faz no verão, a propagação desenfreada de doenças respiratórias, a incidência de doenças provocadas por contato com água contaminada ou esgoto.

Conscientização gera conscientização

E como a gente interrompe esse ciclo de falta de informação? Para o diretor do Colégio João Borges, é importante que a educação ambiental não esteja presa a um único momento do ensino e que seja interdisciplinar: “Ela tem que caminhar com a matemática, por exemplo. Assim, a gente consegue calcular a diferença no consumo de água de uma família dentro de uma cidade e comparar com o consumo de água das indústrias de bebida”. Marcelo ressalta que esse modelo de ensino funciona somente com base no diálogo, ingrediente fundamental para o bom funcionamento de qualquer escola. “Uma escola pública, gratuita, democrática, universal, laica e de qualidade. Essas características precisam de uma outra: comunitária. Essa educação é uma educação comprometida com o meio ambiente e com a formação do pensamento crítico do aluno”, explica.

Marcelo Belford é diretor do Colégio Estadual João Borges de Moraes e um dos responsáveis pela implementação da educação ambiental na unidade.

À medida que o debate ambiental na João Borges se consolidou como parte da rotina da escola, a pauta foi crescendo e buscando mais personagens para pensar junto. Assim surgiu a parceria com o coletivo LUTeS  (Lutas Urbanas Tecnologia e Saneamento), que entre outras ações, culminou no curso “Saneando, Semeando e Empreendendo: Cidadania e Educação”. Durante quatro aulas, estudantes e integrantes do coletivo pensaram estratégias para fazer o tema se tornar ainda mais comum e simples no cotidiano da população. Uma delas foi o projeto de construção coletiva de um biodigestor dentro da escola no ano letivo de 2022. O biodigestor é uma tecnologia usada para tratar esgoto doméstico e restos de comida que produz um gás que pode ser aproveitado como gás de cozinha.

Marlon Brendo, de 17 anos, é monitor na escola e faz parte da iniciativa. O adolescente conta que a experiência transformou sua forma de pensar o meio ambiente. “Assim como gentileza gera gentileza, conscientização gera conscientização”, afirma. Marlon acredita que, assim como tomou o colégio, o movimento pelo direito ao saneamento básico pode se irradiar para toda a Maré: “A gente tá incentivando os alunos a passarem para outras pessoas o que a gente que mora na Maré precisa e também a ajudarem uns aos outros em relação ao cuidado com nosso ambiente e nosso lugar”, afirma Marlon.

Um micromundo dentro da Vila do João

Para Christiane Lagarto, diretora da Escola Municipal Professor Josué de Castro, educação ambiental se faz com movimento e participação. A ação de tornar a escola mais verde e consciente começou na pandemia, mas a ideia era um sonho antigo da diretora: “Com o tempo mais livre para se dedicar eu e a professora Luiza Colonesi começamos a reciclar com todos os materiais, desde banco até pote para fazer vasos e aí começamos a plantar na escola”.

Os alunos se interessaram e foram aderindo ao movimento por meio da disciplina eletiva de jardinagem que é oferecida pela escola. O aprendizado também é percebido fora da sala de aula. “A gente também faz isso na cozinha e no refeitório. Temos latão para resíduo de casca de fruta, um latão que é só para comida e outro para lixo seco. E aí gente vai falando e vai conversando”. Quem fica responsável por alertar os alunos e instruí-los sobre o local correto de descarte é a Dona Emília que, aos 62 anos, atua de forma voluntária na escola.

Dona Emília é a responsável por orientar os locais adequados para descarte de resíduos.

Christiane acredita que a solução para que o debate sobre cuidado com o meio ambiente chegasse em mais pessoas seria uma integração entre comunidade e escola. E não faltam ideias para que isso se torne possível. “Eu queria que a comunidade enxergasse a escola como um lugar de coleta seletiva e que a escola tivesse estrutura para isso. Também acho que a prefeitura deveria ter uma logística de recolhimento dos resíduos orgânicos nas escolas para levar até um lugar onde poderia ser compostado”.

Enquanto a estrutura não ganha corpo, o caminho segue aberto para grupos ou pessoas que queiram contribuir com as ações ambientais que a escola realiza e pretende realizar, como é o caso da Dona Emília, e a escola se reinventa com os recursos que tem à disposição. Uma solução já em vigor é a capinagem que não produz lixo:  “Quando capinavam a quadra, a Comlurb vinha e colocava o capim em sacos plásticos. Hoje isso não acontece mais porque eu descobri que se eu for espalhando ele como um tapete, em um ou dois meses acabou, apodreceu e não tá mais ali. Então, eu aqui fiz o meu micromundo”, conta a diretora.

A diretora da E.M. Professor Josué de Castro, que fica na Vila do João, implementou uma forma de capinar sem produzir lixo.

Nem sempre criar micromundos é suficiente para encarar as dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas. A Josué de Castro sente falta de políticas de incentivo vindas da Prefeitura. “Às vezes o dinheiro acaba saindo do nosso bolso mesmo”, desabafa a diretora. O Colégio João Borges não possui a estrutura elétrica adequada para atender os alunos de forma presencial. Em resposta, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) informou que já tem uma empresa contratada para realizar os reparos na eletricidade da unidade. Segundo a pasta, serão destinados R$ 250 mil para a realização do serviço.

Ciente do histórico de resistência da escola, Marcelo reforça que desistir da educação de qualidade, que transforma vidas e o mundo onde estamos, não é uma opção. Ele cita o documentário “Utopia e Barbárie” (2009), dirigido por Silvio Tendler, para afirmar por quê ele e a João Borges continuarão resistindo: “Eles são tantos e nós somos tão poucos, eles são tão fortes e nós somos tão fracos que muitas das vezes eu me pergunto por que eu continuo a lutar […] Eu continuo porque estou certo”.

Essa reportagem é resultado de parceria do Maré de Notícias com o data_labe e foi produzida pelo CocôZap, um projeto de mapeamento, incidência e participação cidadã sobre saneamento básico nas favelas.

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