GERAÇÃO CIDADÃ DE DADOS

Saiba como desenvolver seu projeto de produção de dados com participação social
a partir da metodologia utilizada pelo data_labe

Texto: Polinho Mota  e Gilberto Vieira
Artes: Nicolas Noel

Entendemos a geração cidadã de dados (GCD) como o conjunto de ações que possibilitam aos cidadãos, gerar, recolher e utilizar dados para benefícios de suas comunidades ou coletivos.

As sugestões a seguir são baseadas na experiência do trabalho do data_labe, como também a partir da escuta de outras iniciativas que geram e coletam dados de forma participativa no Brasil. Por isso, não consideramos estas recomendações como uma fórmula única ou um modelo que não possa ser adaptado.

Assim sendo, apresentamos sete passos que ajudam a basear todos os trabalhos de GCD no data_labe. Eles vêm acompanhados de perguntas importantes que se adequam a qualquer processo, independentemente da temática ou problema escolhido para o projeto.

Vale ressaltar que a palavra “problema” não precisa estar relacionada a uma falta ou ausência no contexto a ser abordado. A GCD é uma metodologia capaz de oferecer diagnósticos sobre qualquer tema e iniciativa, ainda que ela seja positiva, como a mensuração de sucesso de uma ação, um banco de talentos ou um mapeamento comunitário. No entanto, é importante que a gente entenda que a falta de dados – seja ela sobre qualquer assunto – é, de fato, um problema a ser encarado, afinal, é por meio dos dados que entendemos melhor o mundo e as nossas realidades.

1. Identificar o problema

Qual problema, assunto, experiência ou realidade precisa ser evidenciada através de dados?
Existem muitos aspectos que merecem visibilidade e mais dados para possibilitar uma discussão qualificada. Porém, nem sempre temos todos os recursos (financeiros, humanos) para abordar todas essas questões. Por isso, é necessário selecionar entre todas as urgências que você vive, aquela que merece atenção prioritária e que será abordada de forma mais adequada com os dados que você irá levantar.

Imagine que você precisa dividir um bolo entre cinco pessoas. Sua decisão precisa estar baseada em dados e você só tem duas informações: a quantidade de pessoas e o tamanho do bolo. Talvez você decida dividi-lo em cinco partes iguais. Porém, se você adicionar mais dados para melhor compreender esse grupo, sua decisão poderá ser tomada de forma mais efetiva. Considere que entre essas cinco pessoas, existe uma cuja família não almoçou naquele dia. Estes dados “adicionais”, sobre a composição familiar e estado nutricional de cada um dos cinco componentes desse grupo, possibilitará a você tomar atitudes mais justas e embasadas em uma realidade mais ampliada.

2. Delimitar os subtópicos

A maioria dos problemas sociais possui muitas causas e consequências e, portanto, é necessário escolher quais partes desses problemas você poderá trabalhar. Quais são as causas que melhor poderiam explicar o problema selecionado por você e seu grupo?

Por exemplo, quando começamos a levantar irregularidades no direito ao saneamento básico nas favelas da Maré, escolhemos falar dos subtópicos relacionados a lixo, esgoto e falta d’água. Pensando apenas no lixo, coletamos queixas que evidenciavam acúmulo de lixo. Essa escolha foi pensada de forma estratégica. Nós poderíamos ter escolhido recolher dados sobre regularidade do caminhão de lixo, coleta seletiva, entre outros. Mas entendemos que esse subtópico identifica de forma específica o problema de saneamento básico. O que é importante para você entender; é que quase nunca apenas um sintoma / subtópico será suficiente para diagnosticar o problema, mas é necessário escolher entre os mais específicos.

Portanto, invista tempo nesse debate, converse com quem está sendo afetado diretamente pelo problema, veja quais são os pontos em comum. Consulte professores ou pesquisadores que trabalhem com o mesmo problema que você escolheu. Compartilhe; e reavalie o seu problema e os tópicos escolhidos para abordá-lo.

3. Discutir os limites

Até aqui, você precisou fazer pelo menos duas escolhas muito difíceis: qual problema você irá atuar e em quais momentos você vai escolher coletar dados. Por isso, é necessário listar e discutir da melhor forma, para você e seu grupo, os potenciais dessa escolha, bem como os limites dela. Quais outros subtópicos do problema você não irá abordar e o quanto isso afeta o seu trabalho? Nesse momento você precisará ser gentil consigo mesmo e entender que seu trabalho é parte do enfrentamento e solução do problema. Dificilmente uma iniciativa conseguirá gerar todos os dados sobre um mesmo problema, pois isso poderá acarretar processos muito longos e custosos, o que prejudicaria a repercussão do seu trabalho ou o interesse e das pessoas em participar.

Então, discuta e registre todos os potenciais e limites das escolhas que você realizou, porque isso lhe ajudará posteriormente a explicar melhor os seus dados e análises geradas a partir deles. Além disso, servirá como guia para futuros trabalhos que queiram aprofundar a discussão que você mesmo começou.

4. Selecionar bases de dados auxiliares

Existem outras bases de dados que já abordam o mesmo problema que você escolheu? Essas bases estão publicadas e disponíveis para uso?

Estas duas perguntas servirão para você tanto se certificar que está trabalhando com um problema e subtópicos adequados, quanto para garantir que suas decisões estão também baseadas em dados.

Existem dados sendo gerados a todo tempo e de diversos aspectos, porém nem todos estão organizados e disponibilizados para que a sociedade possa analisá-los e discutí-los. Por isso, o princípio de sempre trabalhar e produzir dados abertos é muito importante no processo da GCD.

Caso não existam bases de dados abertas sobre o problema e subtópicos que você escolheu, esse já é um primeiro sinal de que seu trabalho terá grande relevância, pois os dados em questão serão os primeiros sobre o assunto.

Entretanto, mesmo com bases de dados existentes e também no formato aberto, muitas vezes os dados não possuem uma qualidade adequada à realidade que você e seu grupo enfrentam seja porque o problema escolhido tem muitas camadas e complexidades que apenas uma iniciativa mais aproximada e local conseguirá abordar efetivamente, ou porque a forma que os dados foram coletados e disponibilizados não foram tão boas assim.

Podemos afirmar que a inexistência ou baixa qualidade de dados é uma realidade quando queremos falar sobre periferias e territórios populares e tradicionais. Então, além de escolher as bases de dados auxiliares ao seu problema, é aconselhável que você explore as análises e relatórios realizados anteriormente por outras organizações (ou até mesmo pelo governo) para entender em quais brechas você irá atuar.

Existem bases de dados de extrema qualidade no Brasil, porém, às vezes, as pessoas e grupos envolvidos nas análises e divulgação dos resultados, não realizam cruzamentos e diagnósticos importantes para que você e seu território se sintam representados. Portanto, apenas novas análises e olhares serão suficientes para aprofundar alguns debates. Nesses casos você nem precisa empreender um processo de geração de dados do zero. Por isso, investigue e analise com profundidade as bases de dados que se relacionam com seu problema e as análises já disponibilizadas sobre elas. Procure os repositórios de bases de dados governamentais, da sociedade civil, da pesquisa acadêmica e entre parceiros que você sabe que atuam no mesmo tema.

5. Engajar as pessoas

Depois desse longo processo de decisões estratégicas chegou a hora de considerar quem irá te ajudar e participar do processo da coleta e geração de dados.

É importante considerar as pessoas que mais são afetadas pelo seu problema, pois elas têm profundo conhecimento sobre as causas e consequências do mesmo. A geração de dados se torna cidadã quando os indivíduos possuem lugar de protagonismo em todo o processo. Por isso não é coerente que você deixe as pessoas mais afetadas de fora dos processos; ou utilize essas pessoas apenas como fonte dos dados ou respondentes de questionários. Esse é um processo excludente e infelizmente muito praticado durante nossa história, na qual as pessoas que são afetadas pelo problema são apenas ouvidas de forma passiva, tendo seus conhecimentos e realidades apropriadas ou expropriadas para produções muito distantes de suas realidades.

Por isso, ouça e insira as pessoas no centro de todas as atividades, construa junto as formas de coleta, as decisões sobre os dados e as análises. Inclua os saberes tradicionais e formas de existir desse grupo em todo o processo. Isso garantirá legitimidade, reconhecimento e validação das informações geradas. Por fim, dê prioridade às tecnologias já usadas por esse grupo na geração dos dados e, caso seja necessário, troque conhecimento e incorpore novas tecnologias à realidade das pessoas sem jamais desrespeitar seus modos de viver a vida e o respeito aos valores e tradições locais.

6. Estruturar a coleta dos dados

Quais processos e sistematizações serão necessárias para gerar dados de forma computacional?

Existem muitas formas de coletar uma mesma informação e estruturá-la em bases de dados possíveis de serem analisadas e comunicadas. Sua escolha pode ser baseada em quais formas terão mais consistência e efetividade levando em consideração as práticas e conhecimentos das pessoas selecionadas.

A consistência dessa coleta tem muita relação com a sustentabilidade de duração do projeto pois você, provavelmente, irá querer que mais pessoas se envolvam e continuem seu projeto, para que ele tenha longevidade e consiga realizar um controle de maior prazo sobre o problema. Portanto, escolher tecnologias extremamente difíceis ou que dependam especificamente do seu conhecimento poderá prejudicar a manutenção das atividades necessárias para a GCD.

O segundo ponto que levamos em consideração nessa escolha está baseado na efetividade da tecnologia. Ela precisa levar em consideração a melhor aplicação no dia a dia e a oferta dos melhores resultados possíveis. Nem sempre o melhor software é o mais caro ou o último lançamento do mercado. A melhor ferramenta será sempre a que você e seu grupo decidirem que funcionará para sua realidade, nos subtópicos escolhidos para o problema selecionado. Aqui temos outro princípio do trabalho da GCD: o uso de ferramentas livres e abertas. Elas garantem sua liberdade de empresas ou corporações privadas que, quase sempre, estão baseadas em princípios colonizadores e capitalistas. Além disso, os softwares livres garante que pessoas externas ao seu projeto possam avaliar ou auditar cada etapa e que outros grupos possam adaptar as metodologias e tecnologias desenvolvidas às suas realidades.

Esse trabalho colaborativo e replicável é uma prática que garante a produção de conhecimentos mais abertos e de tecnologias mais soberanas. Assim você fomenta uma cultura de maior transparência e garante mais acesso e mais diversidade aos projetos e iniciativas de dados.

7. Comunicar os dados

Quais estratégias você e seu grupo vão criar para comunicar os resultados do trabalho?

Nós falamos muito sobre transparência, participação e colaboração logo é muito importante que sua comunidade seja convocada a conhecer os dados que você e seu grupo produziram ou analisaram. Para isso utilize as linguagens, estéticas e referências de seu público-alvo. Quase sempre elas também serão as suas.

Não podemos esquecer que as pessoas que participaram dos processos de debate, coleta, análise dos dados merecem conhecer todas as informações geradas nesse processo, assim como ter a oportunidade de difundir essas informações para suas redes de trabalho, pesquisa e militância. Qualquer pessoa, independentemente de sua formação técnica ou acadêmica, deve ser capaz de discutir e compreender qualquer trabalho com dados.

É importante levar em consideração os outros grupos que você quer informar para além da sua comunidade. Muitas vezes usamos a GCD para construir políticas públicas e por isso precisaremos identificar os atores e agentes com poder de decisão que escolheremos para alcançar e comunicar nossos resultados e demandas.

É importante garantir que o mesmo protagonismo dado nas atividades anteriores permaneça nesta etapa, por mais que a comunicação seja feita para outros grupos, pois mais uma vez, são as pessoas mais afetadas pelo problema que terão mais propriedade para falar sobre ele e discutir com profunda qualidade os resultados gerados pelos dados gerados.

E se você quiser saber sobre o nosso corre com geração cidadã de dados, acesse conteúdos abaixo:

Todo mês uma seleção braba de conteúdos sobre dados, tecnologias, favelas e direitos humanos.

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