HÁ ESPERANÇA POLÍTICA PÓS-2018?

Jovens derrotados nas últimas eleições se preparam para o pleito de 2020.

reportagem:
Gabriele Roza
Pedro Lira

arte:
Giulia Santos

dados:
Juliana Marques

As brigas nos almoços de família e nas redes sociais não mentem: o brasileiro se engajou na política nos últimos dois anos. Mais de 29 mil pessoas se candidataram a cargos eleitorais nas eleições de 2018. O número é 7,8% maior em comparação a 2014, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. Os dados podem servir de termômetro para as eleições 2020: já são mais de 200 pré-candidatos só para cargos de prefeitos das capitais federais, segundo levantamento da Folha de S. Paulo. Mas quem são essas pessoas?

O data_labe conversou com cinco políticos que estrearam com derrota nas urnas em 2018. Além da derrota, eles tinham outra coisa em comum: faziam parte da plataforma #MeRepresenta, ONG formada por coletivos de mulheres, pessoas negras e LGBT+ que buscam promover igualdade de gênero, luta antirracista e respeito à diversidade sexual e à identidade de gênero na política.

No papo com esses cinco candidatos, um de cada região do Brasil, buscamos entender quais foram suas inspirações, o que buscavam e o que esperam para a próxima disputa. A resposta para a última pergunta foi unânime: seguem fazendo política.

Uma mulher lésbica do sul do país, uma transexual pastora de São Paulo, um professor indígena do Acre, uma militante negra da Capital Federal e um empreendedor de Salvador. Todos têm em comum a busca por uma política mais jovem e humana.

Para ajudar a entender quem são esses candidatos utilizamos como amostragem os dados do #MeRepresenta. A plataforma opera como um espaço de encontro digital entre candidatos e eleitores a partir da identificação com 22 pautas construídas em diálogo com as organizações parceiras. As quase mil candidaturas validadas da plataforma representam 3,5% do total do país, em 2018, para cargos de deputado federal, estadual e senador, tendo representantes de todos os estados brasileiros.

“Política para mim é respirar, é por onde nossas ideias e projetos se concretizam”

Dani Braz, que disputou a cadeira de deputada federal pelo PT de Cascavel (PR) teve 10.816 votos. Dani não foi eleita, mas segue fazendo política pró-direitos humanos. “Política para mim é respirar, é por onde nossas ideias e projetos se concretizam”, define. “É a ferramenta que encontramos para comunicarmos o que defendemos e acreditamos”. 

Dani se declara militante do movimento feminista e LGBT e buscou na candidatura o debate sobre como seria uma nova era política, sustentável, justa e solidária. “Abordamos pautas que foram desde políticas públicas de equidade de gênero até o debate sobre práticas integrativas na saúde, segurança alimentar e políticas culturais”. 

A paranaense é uma das responsáveis pela Fundação do Casanóz, espaço cultural em Cascavel voltado para ideias e projetos de cunho artístico, sustentável e que trabalham o autoconhecimento. “O espaço é democrático e suprapartidário, mas não aceita projetos de caráter preconceituoso, que estimulem o ódio contra qualquer grupo’, explica. 

Pré-candidata a vereadora, pretende continuar debatendo as questões macro/nacionais, mas também voltar a atenção para as demandas locais de Cascavel. “As expectativas são ótimas, apesar da não eleição em 2018, as votações foram realmente muito boas. O nosso trabalho em relação à cultura e sustentabilidade só aumentou desde então, ultrapassamos as fronteiras municipais e fizemos conexões com projetos semelhantes ao nosso em todo o estado do Paraná e até fora dele”.

Os novos nomes na política encontraram, em 2018, terreno fértil para se lançarem na carreira. Segundo levantamento do DIAP, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Congresso Nacional que surgiu dessas eleições foi o mais renovado em 20 anos – com 52% de renovação na Câmara e 85% no Senado. No entanto, os eleitos se afastam das pautas de direitos humanos. O mesmo relatório revela que a casa é a mais conservadora desde a redemocratização. Organizado em torno de bancadas informais, como a evangélica, a da bala e a ruralista, o novo Congresso é mais liberal na economia, mais conservador nos costumes e mais atrasado em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente do que o anterior.

“É possível defender direitos humanos sem uma visão político ideológico”

Direitos humanos não são coisa de comunista. Pelo menos é o que pensa Jardel Barros, que foi candidato a deputado federal pelo Partido Novo da Bahia e defende que essa não é uma pauta exclusiva da esquerda: “É possível defender direitos humanos sem uma visão político ideológico. Todos entram na política querendo defender direitos humanos, dar melhor qualidade de vida para a população. As formas que cada um faz isso é que diferem”. 

Para ele, direitos humanos são fundamentais, mas o “direito humano que defende a vida humana e não agendas de grupos específicos”. “Se não respeitarmos os humanos como ser humano, acho utópico respeitar por ser mulher, homossexual ou idoso. Acho que é isso que a direita tenta trazer.”

Uma das motivações do baiano para entrar na política em 2018 foi defender a primeira infância. “Precisamos de políticas públicas que trabalhem na causa dos problemas, não nas consequências, como tem sido feito”.

Novato na política, ressalta que a polarização no país é um problema para pautas humanitárias. “Determinadas políticas públicas são colocadas pela esquerda, mas como vem de partidos rivais, muita gente da direita não aprova. Será que essas pessoas estão pensando ou só não querem promover aquela ideia do outro lado? O mesmo serve para situações inversas”, acusa. 

“Não precisamos ser eleitas para fazer política”

Considerando a qualificação de gênero feita pela plataforma do #MeRepresenta, 38,04% das candidaturas foram de mulheres, 61,62% de homens e 0,34% de candidaturas que não se identificavam com nenhum dos dois gêneros. Um total de 15,6% das candidaturas foi de LGBTs, com maior participação de declaração de identidade entre mulheres.

“Não precisamos ser eleitas para fazer política”, argumenta Ilka Teodoro, candidata, em 2018, ao cargo de Deputada Distrital no Distrito Federal pelo PSOL. Com 5.663 votos, Ilka não conseguiu se eleger. “Apesar disso, é essencial que estejamos eleitas”, ressalta. “Um parlamento sem a devida representatividade de mulheres, negros e demais grupos minorizados carece de legitimidade democrática. O mesmo vale para o executivo e judiciário”. 

Para se eleger, é necessário investimento na candidatura. Em 2018, os partidos não destinaram os recursos de forma proporcional para candidatas e candidatos negros. Segundo os Dados levantados pela FGV Direito, na última eleição da Câmara dos Deputados, enquanto homens brancos eram 43,1% dos candidatos e receberam 58,5% das verbas destinadas às campanhas, homens negros eram 26% dos candidatos e receberam 16,6% dos recursos dos partidos. Já entre as mulheres, as brancas eram 18,1% das candidatas e receberam 18,1% das verbas, as negras eram 12,9% das candidatas e receberam 6,7% dos recursos. 

Falta bem pouco para que a desigualdade na distribuição dos recursos entre candidatos negros e brancos diminua. A partir de uma consulta apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e pela pressão feita por organizações do movimento negro, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou na terça-feira, dia 25,  a distribuição proporcional do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda para candidaturas negras. A regra passa a valer a partir das eleições de 2022.

Ilka Teodoro conta que foi o assassinato de Marielle Franco o divisor de águas que a levou a entrar no mundo da política institucional. “Me despertou um sentimento de que esse não poderia ser um recado intimidador para nós mulheres, especialmente as negras”, defende. A candidata faz parte dos 48,6% de candidatos negros no #MeRepresenta. 

Como em Brasília não há cargos de prefeito e vereador, Ilka ainda não pensa nas próximas eleições (2022), mas quando questionada sobre as propostas da campanha, corrige: “não eram pautas da campanha. São pautas da minha vida. Então não tenho como me separar disso. Carrego essas pautas no meu corpo e no meu discurso.”

“Só o fato de estar viva é o maior ato político que eu posso exercer”

“Não há situação mais  impactante do que ver uma pessoa trans lutando e ocupando os lugares de poder e decisão”. Candidata ao cargo de Deputada Estadual em São Paulo pelo PSOL, a professora Alexya Salvador foi uma  das candidatas transsexuais nas eleições de 2018. A presença da categoria foi dez vezes maior quando comparada a 2014, com 52 candidatos concorrendo a um cargo no legislativo. Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). 

Com 10.486 votos, Alexya não foi eleita para mandato em 2019, mas garante seguir tentando até conseguir. “As políticas públicas colocadas para a nossa comunidade nunca são prioridade por parte dos atuais políticos. Ser uma candidata eleita não me garante fazer política – só o fato de estar viva é o maior ato político que eu posso exercer”, defende. “Entretanto, estar eleita vai me garantir que as nossas pautas e lutas possam ir mais adiante, mesmo sabendo que farão de tudo para impedir que nossos projetos se tornem leis e benefícios para a população LGBT”. 

O ponto de Alexya é embasado. Na plataforma do #MeRepresenta, todas as pautas LGBTs foram mais apoiadas por candidaturas que se identificaram como tal. Este grupo é mais favorável à criminalização da homofobia – 96% contra 90% de não LBGTs – e se posicionou contrário ao projeto escola sem partido (85% para 61%) e favorável a possibilidade de trans e travestis usarem o banheiro que quiserem (97% para 63%).

“Meu corpo transgressor gera um certo mal estar nas pessoas. Elas entendem que por eu ser quem sou, a política e a luta por direitos e justiça não é um cenário que eu deva ousar querer ocupar”, pontua.

Reverenda da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), no centro de São Paulo, defende sempre o acolhimento dos excluídos. “Política e fé deveriam ser sinônimos. Mas os maus representantes religiosos deturparam essa relação. Nisso se dá a defesa dos direitos humanos: quando promovemos a vida humana e garantimos todos os direitos fundamentais de qualquer pessoa”, prega. 

Preparada para mais um processo eleitoral, Alexya tentará o cargo de vereadora de São Paulo. “Minhas expectativas são de embate e enfrentamento, nada diferente do que já tô acostumada a viver no dia a dia”, revela.  

“Nós fomos os primeiros habitantes desse país, não termos espaço político é vergonhoso”

A questão de representatividade enfrentada pelos LGBTs também é levantada na causa indígena. Em 2018, 133 indígenas buscaram cargos eleitorais, segundo o TSE. O número é 56% maior que em 2014. Apesar do aumento, ainda é baixo: representa 0,47% do total de candidaturas. Além disso, nem todos defendiam pautas da causa – caso do General Hamilton Mourão, vice-presidente da república.  

“Nós fomos os primeiros habitantes desse país, não termos espaço político é vergonhoso”, acusa Sabá Manchinery, candidato ao cargo de Deputado Federal no Acre pelo PHS. “Como parlamentares, nós teríamos a possibilidade de criar um movimento maior com os indígenas, fortalecer nossa identidade, apoiar desenvolvimento nas aldeias e, claro, legitimar a participação indígena na construção do país”. Sabá teve 801 votos e não foi eleito para o cargo. 

Sobre o futuro, pretende focar na micropolítica. “Minha prioridade agora é minha casa, minha aldeia, meu povo. Acredito muito na minha causa e na luta e no dia que houver uma nova ação coletiva, participarei”, garante. “Confio que um dia encontraremos representantes com afinidade ao meio ambiente, que colocarão a vida acima da destruição em nome do desenvolvimento”. 

Felizmente, não é só nas candidaturas que grupos minoritários tomaram mais força, Segundo dados do TSE, a quantidade de eleitos subiu. Entre mulheres deputadas federais o número de cadeiras cresceu de 51 para 77, aumento de 51%. Hoje as deputadas representam 15% do total de 513 cadeiras do Congresso Federal. As mulheres negras garantiram mais três cadeiras, passando de 10 para 13. Mulheres indígenas garantiram uma cadeira em 2018. Há esperança para 2020.

Colaborou nesta reportagem o editor do data_labe Fred Di Giacomo.
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