JOGO SUJO

Doenças, lixo, esgoto e poluição. Como a gestão do saneamento básico exclui direitos básicos da vida dos moradores do Complexo da Maré.

reportagem
Bruna Pierrout, Fernanda Távora, Juliana Marques, Maykon Sardinha

colaboração
Gabrielle Vidal ,Hannah de Vasconcellos, Juliana Oliveira, Pedro Lira

arte
Eloi Leones, Giulia Santos

O jogo de empurra-empurra da gestão do saneamento das favelas traduz o descaso com o qual o governo vem encarando as políticas públicas nas áreas que mais precisam delas.

Aos 60 anos, dona Tereza, moradora do Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, decreta: “As pessoas não podem viver no século XXI convivendo com rato e com doença”. Apesar da indignação, essa é a realidade de quem vive em muitas favelas cariocas. A infestação de ratos é um dos vários problemas que afligem moradores da Maré que vivem próximos ao despejo de lixo e esgoto. “Os bueiros ficam sem manutenção nenhuma; pelos becos não dá pra passar. Eu não posso abrir a minha janela da cozinha. Pra que? Pro rato entrar?”.

Segundo dados do 1746, canal de atendimento da prefeitura, o serviço mais solicitado pelos moradores da Maré, entre janeiro e agosto de 2018, foi o de controle de roedores. Das 599 solicitações feitas à Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), 51% se relacionavam ao serviço. A média de pedidos do mesmo serviço para o município carioca corresponde a apenas 7,4%. A proporção é quase sete seis vezes maior entre a Maré e o resto da cidade, mostrando que jogar na periferia é só no nível difícil.

Entendendo as regras do jogo

Segundo a Lei nacional de Saneamento Básico, o esgotamento sanitário é “constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente”. Nas regras do jogo, o Complexo da Maré sai com um revés,  já que nenhum domicílio é atendido pelos serviços listados.

Existe uma grande disparidade entre a lei e a prática que, no caso da situação sanitária da Maré, é resultado de uma série de mudanças na gestão de saneamento da cidade. Ana Lucia de Brito, professora do Programa de Pós Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Prourb/UFRJ), explica que em 2007 foi assinado um Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações entre o Estado, a prefeitura e a Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE). O termo definia que a CEDAE ficaria responsável pelo abastecimento de água em todo município do Rio, incluindo as favelas, enquanto a prefeitura ficaria responsável pelo tratamento sanitário apenas das favelas. “Esse termo não tem um valor jurídico real, porque na época já existia uma lei de saneamento. Essa lei determinava como deveriam ser os contratos, as relações e os acordos, e esse termo do Rio de Janeiro não segue o modelo da lei nacional”, revela a professora da UFRJ.

Para complicar ainda mais, por conta do não cumprimento de acordos da prefeitura, ainda em 2007, foi feito um novo acordo com relação às favelas do Rio, mudando as regras do jogo: a CEDAE atuaria no tratamento de esgoto em favelas com UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e a Prefeitura, nas favelas sem UPPs. “Em 2011, no governo do Eduardo Paes, foi instaurado o Morar Carioca, um programa de urbanização de favelas que não foi para frente. Foi dentro do Morar Carioca que fizeram esse acordo em que, aos poucos, o esgotamento das favelas iria para a CEDAE. Mas como não teve nenhuma obra do Morar Carioca, isso não aconteceu”, explica Ana Lúcia.

Com essa sobreposição de acordos, até mesmo quem deveria entender quem é quem na gestão do saneamento na cidade, fica confuso. Em um pedido de esclarecimento via Lei de Acesso à Informação (LAI), a reportagem do data_labe recebeu a seguinte resposta da prefeitura: “A comunidade da Maré é uma das que possui UPP instalada, de modo que as informações relativas ao esgotamento sanitário devem ser dirigidas à CEDAE”. Oficialmente a Prefeitura do Município do Rio de Janeiro é a responsável pela gestão das redes de águas pluviais e esgoto nas favelas que não possuem UPP. A questão é que o Complexo da Maré não tem uma Unidade de Polícia Pacificadora, como é possível conferir no site oficial da Polícia Militar e in loco, por qualquer um que caminha pelo território.

Uma das maiores estações de tratamento de esgoto da América Latina, a ETE Alegria, foi construída no território vizinho à Maré, no bairro do Caju. Seria uma boa notícia, mas não é. A estação não atende nenhum morador do Complexo, porque a estrutura do esgoto da Maré não tem ligação com a estação de tratamento.

O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG),assinado em 1991, previa essa ligação do sistema de esgotamento da Maré com a Estação Alegria. Porém, a verba para o programa foi suspensa, ou seja, game over! As obras pararam. Hoje, a Estação ETE Alegria opera com 15% a 20% de seu potencial, atendendo apenas parte da zona norte, centro e alguns bairros da zona sul.

Outro programa de despoluição da Baía de Guanabara, o PSAM (Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara), assinado em 2011, também previa a ligação da Maré com a Alegria. A operação tomou a frente das prioridades da cidade, seguindo o fluxo dos grandes eventos do Rio de Janeiro. Entre as promessas também estava a de despoluição de 80% da Baía – algo que nunca aconteceu.

Para Alexandre Dias, engenheiro sanitarista e pesquisador e coordenador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Lavsa/EPSJV), as escolhas do Estado na gestão do saneamento das favelas traduzem um conceito chamado racismo ambiental ou justiça ambiental. Segundo ele, os impactos dos grandes empreendimentos recaem sobre as populações mais vulnerabilizadas das favelas. “A periferia sofre por não ter políticas públicas. É exatamente onde a crise sanitária está se agravando”, explica. As vulnerabilidades socioambientais refletem uma vulnerabilidade institucional, quando o próprio Estado não é capaz de atender as necessidades das populações que mais precisam de políticas públicas.

Este é um reflexo da desigualdade estrutural da sociedade, onde as classes mais favorecidas, as empresas e indústrias ficam com as vantagens dos investimentos, deixando as desvantagens para os territórios menos favorecidos – de onde sai grande parte da força de trabalho. “A lógica é de racismo institucional, um racismo que tem cor e território definido, no qual os benefícios não são para os menos favorecidos, mas os prejuízos sim. É uma relação parasitária”.

Sobre prejuízos, a Maré entende. Enquanto territórios vizinhos tinham acesso à água, os moradores do Complexo passaram anos fazendo o possível e o impossível para conseguir água para o básico: tomar banho, lavar roupa, cozinhar. Mareense, geógrafo e diretor do Museu da Maré, Lourenço César vivenciou esse período. “O Estado não atendia às necessidade básicas para a água chegar na Maré, foi a luta dos moradores, no início dos anos 80, que garantiu esse direito”. E relembra como a Maré era esquecida: “Nós pegávamos água do Fundão. A tubulação passava por aqui, onde hoje é a Linha Amarela. Como não tínhamos acesso, íamos para a ponte e quebrávamos o cano para conseguir água. Na Nova Holanda, às vezes o pessoal pegava na Avenida Brasil, mas muitos iam de barco até o Fundão. Imagina você ter que ir em uma ilha atrás de água porque você está ligado ao continente, mas aqui não tem?”.

Alexandre destaca como essa estrutura desigual da sociedade se reflete, por exemplo, na construção da ETE Alegria. Apesar de estar no Caju, mais próximo da Maré e de outros territórios favelados e periféricos, os bairros que a estação atende não fazem parte dessa lógica. “Se olhar no mapa, vê que os canos saem do Caju, pegam o esgoto de São Cristóvão, Tijuca, Centro, na Baía de Guanabara e passam por uma estação de tratamento boa. Onde a obra ainda não foi executada? Manguinhos, Maré, Bonsucesso, Complexo do Alemão. É uma linha de corte clara. É a favela.”

Nesse jogo, sem bônus para as favelas

Chikungunya, dengue e zika são nomes que há muito tempo assolam a favela. Não por acaso, as doenças, no melhor estilo vilão do jogo, têm ligação direta com o saneamento ambiental inadequado.  “O tema não aborda apenas a questão do saneamento hídrico, mas também está relacionado ao destino do lixo e o descarte de dejetos em ambiente poluído. A epidemia de zika, dengue e chikungunya está diretamente relacionada à crise do saneamento”, explica Daniel Solon, pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em planejamento urbano e regional do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR).

Recentemente, a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) emitiu um alerta sobre uma possível epidemia de dengue, zika e chikungunya no Rio de Janeiro, em 2019. Segundo a FioCruz, de janeiro até outubro de 2018, foram registrados cerca de 37 mil casos da doença no estado. No mesmo período de 2017, foram notificadas 4.425 ocorrências.

Solon explica que, se o lixo fica exposto durante muito tempo ou se for descartado de forma inadequada, pode atrair ratos e outros animais transmissores de doenças. “Quando você tem matéria orgânica dentro de sacos de lixo, o conteúdo entra em putrefação, atraindo também mosquitos e moscas, gerando aumento dos casos de doenças relacionadas ao mosquito”, aponta o pesquisador.

Contudo, o consumo de água ainda é a principal via de contaminação de doenças ligadas à falta de saneamento. Segundo o estudo do Trata Brasil “Relação das doenças (diarreia, dengue e leptospirose) nas 10 melhores e 10 piores cidades”, a diarreia costuma ser a doença mais citada quando se fala do tema. São as crianças, entre 0 e 5 anos, as mais afetadas nesse jogo da gestão do saneamento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a diarreia – que pode ser uma infecção gastrointestinal causada por bactérias ou protozoários, entre outros agentes causadores de doenças – é responsável por 40% das internações de crianças no mundo todo. No Brasil, 84% delas morrem após o diagnóstico de enfermidade.

Solon explica que a contaminação da água acontece também por baixo do solo, quando o sistema de esgoto se sobrepõe ao sistema de abastecimento de água e drenagem de água, caso da Maré. Outro fator é a contaminação por chorume. Em áreas mais desassistidas, o encanamento é construído de forma mais superficial, mais próximo da superfície, o que gera um risco se, próximo dessa estrutura, houver algum acúmulo de lixo. O chorume pode contaminar o solo e a água que passa por essa tubulação superficial”, acrescenta.

Segundo o estudo do Trata Brasil, com análise de dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) do IBGE de 2015, 87% das internações por doenças ligadas ao consumo de água contaminada são causadas pelo saneamento ambiental inadequado. Solon destaca que o resultado disso é um grande peso para o Sistema Único de Saúde (SUS). “As consequências para o SUS são diretas. Você tem um aumento do contingente de pessoas acometidas por essas doenças, o que, consequentemente, vai elevar os custos de internação”. A OMS emitiu, em 2014, uma comparação de que, para cada um dólar investido em saneamento básico, se economiza mais de quatro dólares nos custos com saúde.

Os idosos também são uma população bastante afetada. A pesquisa “Análise espacial da mortalidade de idosos por doenças crônicas no município do Rio de Janeiro”, da Escola Nacional de Saúde Pública da FioCruz, de 2013, mostra que a mortalidade desse grupo está ligada diretamente ao seu local de moradia. Segundo o estudo, aqueles que vivem na zona sul da cidade morrem por doenças típicas do envelhecimento, como câncer, enquanto os idosos dos bairros pobres sofrem de doenças ligadas à falta de acesso aos serviços de saúde públicos, como doenças respiratórias e cardíacas. Segundo a pesquisa, a melhora das condições de vida dos idosos, incluindo a questão do saneamento ambiental, garantiriam qualidade de vida e um envelhecimento mais saudável. A pesquisa usou dados do Censo 2010 e levou em consideração indicadores como renda, analfabetismo, esgotamento sanitário, coleta de lixo e abastecimento de água.

Fonte das DRSAI: http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/drsai/estudo_completo.pdf

Difícil passar de fase

A discussão sobre saneamento ambiental adequado é um tema de preocupação mundial. Segundo a OMS, saneamento “constitui o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem-estar físico, mental ou social”. Saúde e meio ambiente estão intimamente ligados e são pontos centrais quando o assunto é a questão sanitária. Garantir que a população mundial tenha acesso ao saneamento ambiental adequado é garantir o acesso à água potável e impedir a proliferação de doenças como leptospirose, disenteria, esquistossomose, entre outras. Além de colaborar para extinção da epidemia de dengue, chikungunya e zika.

Com a intenção de construir uma agenda global, a Organização das Nações Unidas (ONU) construiu uma série de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que devem ser cumpridos pelos países que fazem parte da organização, garantindo um futuro sustentável até 2030. Saneamento e acesso à água potável são tópicos do objetivo 6 da agenda da ONU. O desafio foi lançado!

A grande vilã do jogo

Outro ponto fundamental no debate sobre saneamento carioca é a Baía de Guanabara, um dos maiores exemplos de como não lidar com o esgoto. A região, que resume grande parte dos problemas de saneamento do Estado do Rio de Janeiro, abrange o Complexo da Maré, o que gera consequências diretas na vida dos moradores.

Cláudio, 52 anos, morador do Complexo, trabalha há 4 anos em uma cooperativa de pesca às margens do Canal do Cunha, uma das áreas mais degradadas da Baía de Guanabara. O pescador relata que diariamente encara o total abandono da região pelas autoridades. “Essa água do Canal do Cunha é podre. No período de seca o fedor é terrível”, conta Cláudio ao falar sobre o incômodo diário com o lixo e o esgoto despejados ao longo da Baía.

Atravessar o canal também é uma provação diária. O pescador conta que, na maioria das vezes, é preciso remar para além do Canal do Cunha, já que o motor do barco não funciona em meio ao lixo. “Se ligar o motor é capaz de quebrar”. Mesmo com o cuidado, Cláudio perdeu as contas de quantas vezes foi obrigado a entrar nas águas contaminadas para livrar o motor do barco dos detritos.

Essa relação entre a Maré e a baía é antiga. Na década de 1950, as primeiras casas de palafita foram construídas próximas ao Canal do Cunha, um dos poucos lugares secos da região, que era um mangue. Durante os anos 1960, começou um processo de industrialização muito forte próximo à Maré por causa da sua posição estratégica na cidade: o eixo da Avenida Brasil e da Via Dutra, importantes caminhos de escoamento de mercadorias. Lourenço César conta que a condição de vida na região foi ficando cada vez mais precária. A chegada das indústrias na baía aumentou a poluição e prejudicou o território. “São tantos impactos ambientais que, sinceramente, é difícil imaginar uma solução, ainda mais se perceber que a Baía de Guanabara passou por vários governos e nenhum conseguiu despoluir. A baía é degradada e,ao mesmo tempo, uma área muito valorizada comercialmente”, revela.

A Refinaria de Duque de Caxias (REDUC), instalada neste período de industrialização, era a principal fonte poluidora da região, chegando a ser responsável por quase 20% da poluição total da Baía de Guanabara até a década de 90. Segundo Sérgio Ricardo, ecologista e membro-fundador do movimento Baía Viva, o governo da época chegou a admitir a responsabilidade da Reduc. “Houve uma desindustrialização muito grande depois dos anos 1990. Muitas empresas da região da zona norte, que nós chamamos de bacia hidrográfica do Canal do Cunha, fecharam”. O ecologista afirma que esse processo é citado pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) como uma das causas de uma possível diminuição da poluição da baía, mas que não há muitos dados disponibilizados para confirmar se houve mesmo uma melhoria.

Sérgio ressalta que a situação da poluição da baía tem se tornado cada vez mais complexa, ainda mais com a falta de disposição dos governos em divulgar informações sobre isso. A equipe do data_labe foi em busca dos dados do INEA sobre o número de indústrias que jogam seus resíduos na Baía de Guanabara, via LAI. A resposta não foi nada animadora: não há uma sistematização dessas empresas e levaria cerca de um ano para enviar a resposta sobre o tema. A falta desses dados é alarmante e dificulta a definição de prioridades para a despoluição da Baía.

Além disso, outro vilão recente começa a afetar – e muito – a situação já problemática da Baía de Guanabara: o chorume. Sérgio Ricardo explica que grandes lixões ocupavam terrenos no entorno da baía. Os lixões de Gramacho, Caxias e Itaoca, em São Gonçalo, os maiores do estado, já tinham um prazo para serem desativados de acordo com a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. No entanto, com a Rio +20, o fechamento desses lixões foi adiantado, sem espaço para um planejamento melhor. O resultado disso não é dos melhores. “Os lixões foram desativados, mas não foi exigido a implantação da estação de tratamento de chorume. Então, a baía está com algo em torno de um bilhão de litros de chorume por ano. É uma coisa terrível que está impactado muito os manguezais e a pesca”, lamenta o especialista.

O jogo ainda não acabou

Mesmo com tantos atores no jogo do saneamento, ninguém conseguiu resolver o problema do esgoto da região carioca. Sérgio Ricardo explica que, desde que a Baía de Guanabara entrou na pauta das preocupações com o meio ambiente, – na década de 1990 – dois programas de despoluição da região foram criados: o PDBG e o Psam, que hoje estão paralisados. “O PDBG resultou na construção e reforma de várias estações de tratamento de esgoto na região metropolitana. Entre as obras, estava prevista a construção da ETE Alegria que devia tratar o esgoto da Maré e não trata.”

Até hoje as estações construídas e reformadas operam de forma incipiente, tratando um volume muito limitado de esgoto. Tudo isso porque não foram construídos os chamados troncos coletores, uma tubulação que faz parte do sistema de coleta de esgoto e que recebe contribuições de redes coletoras, levando todo o volume para uma estação de tratamento e devolvendo a água tratada. O tronco coletor que levaria todo o esgoto da Maré para a estação Alegria, assim como o esgoto de Manguinhos, Complexo do Alemão e Bonsucesso, nunca foi construído. “A capacidade da ETE Alegria é de cinco mil litros por segundo. Se a baía recebe 18 mil litros de esgoto por segundo, só aquela estação poderia estar tratando quase um terço de todo o esgoto que é lançado lá”, explica Sérgio.

Após uma série de escândalos por irregularidades administrativas, as obras da ETE Alegria acabaram custando quase o triplo do que estava previsto no projeto inicial. O PDBG foi cancelado em 2003 e em seu lugar, em 2006, entrou o Psam, que previa obras de saneamento, redução de emissão de esgoto e limpeza da baía até 2016. Foi durante o período de vigência do Psam que o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, assumiu o compromisso da despoluição de 80%. Seu sucessor, Pezão, admitiu mais tarde que a meta era “irreal”. Hoje, após a declaração de falência do Rio de Janeiro, o Psam segue em suspensão, sem investimentos e sem continuidade das obras.

A falta de dados sobre os investimentos nos dois programas de saneamento e despoluição da baía já foram criticados pela Artigo 19, uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em Londres. A ONG emitiu um dossiê apontando a falta de transparência em uma das questões mais caras ao Rio de Janeiro. Das seis organizações envolvidas com o saneamento e despoluição da Baía avaliadas pelo dossiê, quatro mostraram um grau baixo de transparência em relação aos dados públicos disponibilizados. O Psam recebeu “nenhum” como resultado do grau de transparência do programa.

O emaranhado de acordos e gestões sobre o saneamento do Rio faz com que o descaso seja uma via mais simples para o poder público. Reflexo disso é que no plano de governo da prefeitura atual, a Baía de Guanabara sequer é citada. Pode parecer apenas um detalhe, mas em 2013 o Superior Tribunal Federal (STF) definiu que gestão de serviço de saneamento em regiões metropolitanas, como o Rio de Janeiro, devem ser feitas em parcerias entre estado e municípios, havendo uma integração de serviços das duas esferas. Justamente o que não acontece com a gestão de saneamento do Estado. O resultado disso, é a dificuldade em solucionar questões básicas de saúde, de acesso a serviços e de direitos humanos para pessoas que moram nas favelas da cidade e a influência que uma gestão descuidada tem no dia a dia das pessoas.

Essa reportagem foi desenvolvida entre novembro e dezembro de 2018, durante a terceira temporada de residências do data_labe e faz parte de um projeto maior, o Cocôzap. Acesse para conhecer mais e ter acesso às metodologias, os relatos dos residentes e os desafios enfrentados até aqui. Incorporar HTML não disponível.

Fontes:
http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm 
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/157835/1/GeoSaneamento-Cap08.pdf 
http://tabnet.rio.rj.gov.br/cgi-bin/dh?sihd2/definicoes/axrj.def
http://tabnet.rio.rj.gov.br/cgi-bin/dh?sim/definicoes/sim_apos2005.def
http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/drsai/Release-Esgotamento-sanitario-e-Doencas.pdf
http://www.cedae.com.br/Noticias/detalhe/cedae-inicia-programa-de-parceria-privada-para-melhorar-o-saneamento-em-comunidades-com-upp/id/114
http://www3.ana.gov.br/portal/ANA/todos-os-documentos-do-portal/documentos-sre/alocacao-de-agua/oficina-escassez-hidrica/legislacao-sobre-escassez-hidrica/uniao/lei-no-11-445-2007-saneamento-basico/@@download/file/LEI_11.445_07_SANEAMENTO%20BASICO.pdf
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