Reportagem: Lyz Ramos
Edição: Fred Di Giacomo
Arte: Nícolas Noel
Todo ano é assim. Dezembro se aproxima, por vezes até um pouco antes, e o Rio de Janeiro fica todo branquinho da nevasca. Neve no Rio? Você não errou de cidade, não! Os cabelos nevados, ou platinados, assim como os pelos dos braços descoloridos e a marquinha de fita isolante sempre regados a som alto e cerveja são tão indispensáveis ao verão carioca quanto o calor. É a estética exportada ao mundo todo no vídeo de “Vai Malandra” de Anitta, que conta com mais de 421 milhões de visualizações no YouTube. Mas nem sempre esses elementos foram comuns de serem encontrados na cidade (ou no mundo) toda. Antes era mais fácil encontrá-los em seus locais de origem: as favelas e subúrbios cariocas.
Marketing do encontro
Com a expansão das tendências não apenas para o asfalto, como para outras cidades e estados, a cultura se profissionalizou e hoje movimenta diariamente o ecossistema de diferentes periferias. Um dos mais pedidos, o biquíni de fita isolante combinado ao sol na laje é uma estratégia para quem não tem fácil acesso às praias e quer uma marquinha bem definida. Logo, o que era exclusão dos espaços de lazer virou uma alternativa democrática, afinal “todo mundo tem uma laje, um puxadinho, uma varandinha”. Quem fala isso é Jane Nobre – ou “a braba”, como ela mesma se apresenta -, uma dentre os 3.182 empreendedores do Complexo da Maré segundo o Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré.
Jane já era empreendedora, mas virou personal bronze há oito anos quando assistiu uma reportagem sobre Erika Bronze, profissional de Realengo, que se tornou a sua referência na profissão. Aos 28 anos, Jane comanda o Elite Bronze na Nova Holanda, onde oferece desde banho de lua e descoloração dos pêlos até o carro chefe do verão: o bronzeamento natural. A frente do espaço, já foi chamada para congressos da área para falar sobre o bronze das favelas cariocas. Tamanho sucesso reflete nos atendimentos na alta temporada, que começa na segunda quinzena de dezembro, e costuma atrair uma média de 30 clientes diariamente para o seu espaço a fim de entrarem na estação mais quente do ano com a cútis na moda.
A clientela dos empreendimentos completa uma dinâmica autossustentável fruto da estética que as favelas e subúrbios ditam. 91% dos clientes de empreendimentos da Maré são mareenses, ou seja, a periferia cria, empreende e consome em peso. Segundo dados da CUFA, as favelas do Brasil movimentam R$ 119,8 bilhões em renda própria por ano. No final, por mais que a sua linguagem ultrapasse barreiras geográficas, os frutos da própria potência criativa retornam para ela.
Jane sabe do poder consumidor do mareense e tem seu público bem definido. A personal bronze vai aos barzinhos, bailes funk, academias e a Vila Olímpica à procura de meninas e mulheres de 16 a 30 anos. Com o seu carisma, entre uma conversa e outra cita o espaço de bronzeamento e oferece um desconto. Nada tão pertencente à cultura da favela quanto o marketing do encontro.
O lazer nessa região da cidade acontece essencialmente no encontro. Não à toa, os bares são a atividade econômica mais frequente no Complexo da Maré com 22,4% de ocorrência, seguidos pelas atividades ligadas a beleza e estética, com 10,4%. Afinal, para se encontrar, é preciso estar arrumado, com a marquinha em dia e o cabelinho na régua.
Loiro pivete
Desde 2018, o artista plástico Maxwell Alexandre realiza a ativação artística “Descoloração Global”. Ativações são formas de arte que rompem com a utilização tradicional dos museus e espaços expositivosao se misturarem com o ambiente e com o próprio espectador. Na “Descoloração Global”, por exemplo, a obra é composta por cabeleireiros que descolorem o cabelo do público, deixando-os com tons que vão do mais amarelado ao totalmente platinado. Esse descolorimento é ato comum nas periferias que já foi associado à criminalidade e agora é moda também no restante do Rio de Janeiro.
Essa é mais uma das vezes em que o artista natural da Rocinha traz para o centro das suas produções o cotidiano da periferia. Além do cuidado com a estética, a ativação também permite a cultura do encontro, já que enquanto esperam o tempo de ação com o descolorante na cabeça, os participantes socializam em piscinas de plástico montadas no próprio museu.
O loiro pivete, também conhecido como nevou, começa a pintar na época do Natal, mas se estende até o fim do verão. Segundo Diego Santos, 27, barbeiro no Fallet – morro da região central do Rio -, o reflexo e os cortes do jaca e americano também devem continuar em alta esse ano. Para ele, a exportação da moda favelada para a pista é importante e valoriza a beleza do que é criado nas periferias.
A imagem é a primeira a comunicar. “O preto da favela tem uma estética que é formada também pelo seu corte de cabelo, pela tinta preta, pelo cabelo loiro descolorido na praia”, diz Diego.
O poder de um kit em dia
Fazer uso de uma tendência vinda das favelas e subúrbios pode ser um gesto de reafirmação da sua origem, gostar de se apresentar bem ou até uma forma de empoderamento feminino. Para Jane, as clientes a procuram para se sentir mais belas e cobrir imperfeições do corpo. “A mulher que vem fazer bronze quer tomar uma injeção de ânimo, de autoestima. Então ela me procura para receber essa dose.”
Diego acredita que a alegria do homem periférico está ligada às pequenas coisas e o corte de cabelo não só é uma delas, como está em uma prateleira especial, porque ele é sagrado. “Vai no churras o cabelo tem que estar na régua, vai no shopping, cabelo na régua, vai ver o crush, cabelo na régua.”
Com uma mão na consciência e outra checando a marquinha, nos resta curtir a estação mais carioca e valorizar a cultura das favelas e subúrbios à espera da próxima tendência.
