DE SANTINHO EM SANTINHO: UMA ANÁLISE DAS ELEIÇÕES NA MARÉ

A partir dos santinhos distribuídos na região, uma análise dos números da trama eleitoral da Maré e arredores

reportagem
Fernanda Távora
Hannah de Vasconcellos

colaboração
Juliana Marques \\ dados
Pedro Lira \\ edição

arte
Giulia Santos

Do voto à urna, as eleições na Maré e as estratégias eleitorais vistas através da distribuição de santinhos nas favelas do complexo que beiram a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro.

Em tempos de eleições, é rotina as ruas da cidade estarem abarrotadas de panfletos de candidatos – os famosos santinhos. No Complexo da Maré, é quase impossível andar por uma das passarelas que margeiam a Avenida Brasil sem pegar um papel de campanha com partido, legenda, slogan e o rosto de quem está pleiteando um cargo político nas eleições. Essa tradição de espalhar santinhos pela cidade é comprovada pelo percentual que os candidatos gastam com material gráfico: nas eleições passadas, em 2014, o custo correspondeu a cerca de 20% do orçamento para as campanhas eleitorais no Estado do Rio de Janeiro.

A grande quantidade de bandeiras e panfletos com propaganda eleitoral espalhadas pela região da Maré mostra que os candidatos enxergam o território como um campo eleitoral importante. As três zonas eleitorais da área contam com moradores dos bairros de Bonsucesso, Maré, Olaria e Ramos. São 350.532 eleitores, um número expressivo de pessoas aptas a participar do pleito.

Para entender mais sobre essa dinâmica política,  a equipe do data_labe coletou santinhos de 28 candidatos que fizeram campanha na região. Durante o processo, duas candidaturas foram indeferidas, totalizando 26 candidatos analisados. Desses, 10 concorriam a deputado estadual, 14 tentavam o pleito a deputado federal e um o cargo de senador. Entre os candidatos a governador do Rio de Janeiro, apenas um deu as caras em meio aos santinhos recolhidos.

Raça

Segundo a base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 15, dos 26 candidatos, se autodeclaram brancos, enquanto 10 se declararam negros. Ou seja, 44% dos candidatos que fazem campanha na Maré pertencem aos 55,9% da população negra do Brasil. Em comparação com a média nacional, a proporção é próxima: em 2014, ano em que o TSE passou a registrar a cor autodeclarada dos candidatos, o percentual de concorrentes negros foi de 44,3%. Já em 2018, dos mais de 28 mil, 12.900 se declaram como negros, algo em torno de 46,2% do total. No entanto, esse aumento de 1,9% não acompanhou o aumento de autodeclaração nacional: entre 2012 e 2016, o número de brasileiros que se autodeclaram pretos subiu 14,9% no país. Já na Maré, pouco mais de 62% da população se autodeclara negra, segundo o último Censo da Maré, feito pela Redes de Desenvolvimento da Maré no ano de 2011. Contudo, assegurar a candidatura de pessoas negras, não garante a eleição desses candidatos.

Gênero

Nas três zonas eleitorais escolhidas para a análise, 55% do eleitorado é feminino. Em um território em que mais da metade dos eleitores é mulher, a proporção não se repete quando olhamos para os candidatos: apenas 7 santinhos eram de candidatas mulheres, o que corresponde a 28% dos 26 candidatos selecionados. Na proporção nacional de candidatas, ou seja, o número de mulheres entre os candidatos em todo o Brasil, foi de 30% nos dois últimos períodos eleitorais, 2014 e 2018.

Essa porcentagem tão exata nos dois anos não é coincidência. Aprovada em 1997, a Lei Eleitoral 9.504 estabelece que o partido ou a coligação deve ter, no mínimo, 30% das candidaturas femininas aos cargos do legislativo. Os números mostram que estes optam por ter o mínimo de candidatas mulheres. Além disso, a lei fala apenas sobre candidaturas e não há qualquer garantia de que elas ocupem algum cargo. O fenômeno chamado de “candidaturas laranja” mostra como os partidos estão mais preocupados em cumprir a cota de candidaturas femininas estipulada por lei, do que realmente apoiá-las. Nestas eleições, segundo o TSE, 24 candidatos não receberam voto algum – ou seja, nem mesmo o próprio voto entrou na contagem. Dessas, 21 eram mulheres. Incorporar HTML não disponível.

Compromisso e puxador de votos

Dos 26 candidatos, 14 não tinham propostas disponíveis online, por isso foi necessário pedi-las diretamente nas páginas de Facebook oficiais dos representantes. Nas propostas que tivemos acesso, 13 mencionam as palavras “periferia”, “favela” e “comunidade”. Além disso, sobre a intervenção federal, decisão do governo federal que colocou a segurança pública do Rio de Janeiro nas mãos das forças armadas, apenas dois dos 26 eram deputados à época. Ambos votaram a favor da intervenção militar, são eles e Francisco Floriano (DEM) e Pedro Paulo (DEM), ex-candidato a prefeitura do Rio que foi acusado de agredir sua ex-mulher, e que conseguiu a reeleição como deputado federal neste ano.

Um caso interessante para compreender a trama eleitoral na Maré é do candidato a deputado estadual Del Gonçalves Rodrigues, do PRB. Desde 2004, ele concorre a cargos políticos sem nunca ser eleito. Em 2014, por exemplo, 73,3% dos votos nele vieram dos bairros de Bonsucesso, Maré, Olaria e Ramos. Fato que foi repetido nas eleições deste ano: do total de 6.108 votos recebidos por Del, cerca de 62% vieram da região. Em ambas as eleições ele concorreu como deputado estadual, mas não se elegeu para o cargo. Em 2018, Del entrou como Suplente. De acordo com sua campanha, Del faz parte da dinâmica da Maré há muitos anos, se mostra um articulador, mobilizador e formador de opinião. Dos santinhos recolhidos, o mareense aparece nas chamadas “dobradinhas”, quando dois candidatos dividem o panfleto, na intenção que um “puxe” votos para o outro. Nos casos observados, Del fez o papel de quem puxa os votos, mesmo quando o outro candidato, aparentemente, teria mais influência no partido pelo cargo que estava pleiteando.

Del é uma porta de entrada na região para o partido. Sua função no PRB tem nome: puxador de votos regional, que tem basicamente as missões de inflar o total de votos naquela legenda e ajudar a aumentar o número de cadeiras do partido.

Em 2014, os cinco partidos mais votados nominalmente nas três regiões eleitorais que englobam os moradores da Maré foram o MDB, PR, PDT, PT e o PSDB. Os dois últimos eram os partidos dos dois candidatos à presidência na época, o que pode explicar a entrada desses partidos, ano em que o pleito foi acirrado. Nestas eleições, a lista dos cinco fica completamente  diferente. Os dois partidos mais votados, PSL e PSOL, são seguidos pelo PRB, DEM e PRTB.

O surgimento do PSOL como o segundo mais votado pode ser explicado pelo perfil eleitoral da região. Se as eleições fossem decididas apenas no território, Marcelo Freixo, do PSOL, seria o deputado federal mais votado, enquanto que, para deputado estadual, três candidatos do partido teriam sua eleição garantida: Renata Souza, cria da Maré, seria a segunda mais votada, seguida de Dani Monteiro, em quinto lugar, e Josemar Pereira em décimo.

Afinal, os santinhos são eficientes?

A distribuição de santinhos em época de eleições é uma prática ainda muito presente, principalmente entre os candidatos que não tem tanto tempo de televisão durante o horário eleitoral gratuito. Apesar de não ser vista com bons olhos, por conta da quantidade de lixo espalhado pela cidade, ainda representa 20% do gasto eleitoreiro. Dos 26 candidatos recolhidos na Maré, 10se elegeram. Desses, três conseguiram a reeleição.

Apesar da eficiência dos panfletos, as eleições de 2018 foram atípicas. Na Maré, um dos partidos mais votados neste ano foi o PSL – que não apareceu em nenhum santinho selecionado para a matéria. A tendência de voto na Maré no partido, repete a lógica do Rio: o PSL aparece como um dos mais votados no estado. Muito disso pode ser explicado pela capacidade do principal candidato do partido, Jair Bolsonaro, de atrair votos. Com uma campanha focada no aplicativo do WhatsApp, o presidenciável – por meios duvidosos – alcançou uma popularidade suficiente para alavancar outras candidaturas dentro do próprio partido.  

Apesar da tendência conservadora, o PSOL, partido com pautas mais progressistas e igualitárias, surge como o segundo mais votado na Maré. Refletindo também o Rio, já que o grupo praticamente dobrou a quantidade de cadeiras que ocupava no legislativo do estado das últimas eleições: de seis cadeiras passou a ocupar 11.

Em tempos de comunicação online, os santinhos ainda não foram substituídos pelas correntes de WhatsApp. No entanto, o crescimento do PSL nos cargos públicos e sua comunicação via internet nos leva a comparar a eficácia dos impressos com as montagens encaminhadas via aplicativo. O partido teve um desempenho melhor do que aqueles que investiram nos santinhos espalhados pela Maré, mas sempre fazendo uso de seu principal nome, Bolsonaro, para puxar votos para outros candidatos.

Como essa pesquisa foi feita?

Do dia 25 de setembro ao dia 4 de outubro, a equipe do data recolheu santinhos de políticos da passarela 6 à passarela 10. No percurso, percorremos a Avenida Brasil e principais ruas de dentro, como a Sargento Silva Nunes e a Principal, trechos que englobam parte da Vila do João, Pinheiro, Baixa do Sapateiro, Nova Holanda e Parque União – no Complexo de Favelas da Maré. Foram recolhidos panfletos de 28 candidatos a deputados federal e estadual, senador e governador. O objetivo era que a equipe do data_labe conseguisse juntar o máximo de propaganda eleitoral pelo território no período especificado acima.

A partir das vivências e circulações pelo Rio de Janeiro, foi percebido que a quantidade de santinhos e panfletos na Maré é tão volumosa quanto no centro da cidade, com a diferença de ser em um espaço menor. Foram escolhidas para análise as zonas eleitorais 161, 162 e 21 em 2018*, que englobam os bairros da zona norte Ramos, Bonsucesso, Olaria e a Maré. Essas três zonas foram selecionadas por reunirem também os moradores da Maré e arredores.

*analisamos as zonas 11, 21,121, 160, 161 e 162 nos anos anteriores a 2018. Essas zonas eram as correspondentes aos bairros de Ramos, Bonsucesso, Olaria e Maré durante este período.

Fontes:

http://www.tre-rj.jus.br/site/eleicoes/2018/arquivos/locais_votacao.xls

http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais

https://www.tre-rj.jus.br/site/eleicoes/2014/resultados/quociente_27_04_18.pdf

http://www.generonumero.media/tag/candidatas-laranjas/

http://www.generonumero.media/tag/candidatas-laranjas/

https://redesdamare.org.br/censomare/

https://theintercept.com/2018/09/19/partidos-mulheres-laranjas-cota-eleicoes/

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