ESQUERDA, CENTRO OU DIREITA: QUEM ELEGE MAIS NEGROS E NEGRAS?

Conheça os partidos que mais elegeram candidatos pretos e pardos em 2016 e quais fatores estão por trás dos índices de elegibilidade.

Reportagem: Juca Guimarães
Edição: Nataly Simões
Dados: Estephany Nunes, Paulo Mota e Samantha Reis
Arte: Giulia Santos, Nicolas Noel e Vinícius de Araújo

Inspirados pela mudança eleitoral que destina verbas proporcionais para candidaturas negras nestas eleições, o Alma Preta e o Data_Labe analisaram os dados de 2016 e descobriram que o índice de elegibilidade de pessoas negras é maior em partidos de Centro ou Direita, embora os partidos de Esquerda sejam os principais a levantar a bandeira da pauta antirracista. Será que o antirracismo nas legendas mais progressistas não passam do papel? E o que faz os candidatos negros serem mais eleitos nas siglas mais conservadoras? Nem tudo é tão simples como parece e mostraremos o por quê.

No último pleito municipal das cidades do Rio de Janeiro, há quatro anos, as legendas que se posicionam como Centro ou Direita apresentaram uma elegibilidade maior de candidatos negros e negras. No geral, no entanto, as chances de uma pessoa negra ser eleita é menor que a de uma pessoa branca em todos os partidos, independentemente da linha ideológica seguida.

As siglas favorecem, na maioria, candidaturas negras. Em 2016, entre 35 partidos, apenas 10 tinham mais de 50% dos candidatos declarados não brancos. De acordo com o levantamento, por exemplo, com base em 17.085 candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 56% dos candidatos eram brancos e 43,7% negros, que é a soma de pretos e pardos. Mais da metade dos candidatos não brancos estavam concentrados em sete partidos de Direita – PMN, PMB, PEN, PRTB, PRB, PTC e PTB -, um de Centro – PPL -, e dois de Esquerda – PCO e PSTU. No caso do Partido Novo, mais de 95% dos candidatos se declararam brancos.

“Existiu e vem sendo construída e reforçada uma narrativa de classe entre a esquerda como algo que antecipa a raça, por isso a incoerência e prioridade dessas representações. Dentro de um contexto político social tão desigual como o do Brasil, não assumir uma agenda para a população negra como prioritária traz um tom de incoerência. Nossas pautas não devem ser secundárias nas práticas e priorizadas apenas no discurso. Isso enfraquece o debate e reforça caminhos de despolitização”, comenta a articuladora política Magda Gomes.

Os partidos de Esquerda melhoram o critério de diversidade racial quando a comparação é feita nas candidaturas de mulheres. Mais uma vez, dos 35 partidos que apresentaram candidatos em 2016, apenas dez tiveram mais de 50% das mulheres candidatas que se declaram não-brancas: cinco em partidos de Esquerda, um de Centro e quatro de Direita.

Na amostra de 17.085 candidaturas  registradas em municípios do Rio, se elegeram 345 pessoas negras e 899 brancas, respectivamente 4,63% negras e 9,39% brancas. As legendas de Esquerda tinham, em 2016, 1.111 candidatos negros e elegeram 4,68% deles, as de Centro tinham 1.915 candidatos negros e elegeram 5,01%. Já a Direita tinha 4.434 candidatos negros e elegeu 4,46%.

No caso das candidaturas brancas, a Esquerda tinha 1.488 e elegeu 8,53%, a Direita tinha 5.235 brancos e elegeu 8,76%. O Centro, por sua vez, de 2.838 brancos, 11,02% foram eleitos.

Por que a elegibilidade é maior no Centro e na Direita?

O melhor resultado na elegibilidade de negros e negras no Centro e na Direita no pleito do estado do Rio de Janeiro em 2016 tem como uma das explicações a organização da militância negra nos partidos políticos, para além das legendas de Esquerda, em que pautas progressistas até então estavam mais alinhadas ao antirracismo.

Em escala nacional, em 2012, por exemplo, foi criado o TucanAfro, secretariado da militância negra no PSDB, que atualmente tem a assistente social Gabriela Cruz como presidente. “Naquela época, começamos a mapear lideranças, realizar um processo de formação política e criar sedes em estados e cidades para as eleições municipais de 2016. O partido tinha uma imagem de legenda da elite, mas foi o Fernando Henrique Cardoso, o primeiro presidente a assumir que o Brasil era um país racista e a romper com o mito da democracia racial. Ele foi o primeiro a acolher as demandas históricas do Movimento Negro, nos anos 90, e a promover o enfrentamento ao racismo”, afirma Gabriela.

A presidente do TucanAfro destaca que, no último pleito municipal, o PSDB, que se identifica como um partido de Centro, elegeu em todo o país o segundo maior número de vereadores negros e negras. Foram 236 pretos e 1.705 pardos, com campanhas que valorizavam a defesa de políticas públicas de desenvolvimento da população negra no país. O MDB, também de Centro, foi o primeiro.

“Respeitamos a Esquerda e hoje precisamos unir nossas forças, mas é preciso dizer que a Esquerda não é a única que pode se apropriar da pauta racial, nós também estamos preparados para lutar por ações afirmativas, ações compensatórias e de Justiça social na área da saúde, do trabalho, da assistência, do empreendedorismo. Na formação política falamos de sistemas de cotas nas universidades e no serviço público, falamos sobre a proteção das comunidades tradicionais de matriz africana. Preparamos os candidatos para que tenham argumentos e narrativas para lutar pelos nossos direitos e especificidades”, argumenta Gabriela.

Pleito municipal em São Paulo e na Bahia

Mas nem sempre a continuidade das lutas pelas questões raciais é o mote das campanhas negras. Em 2016, na cidade de São Paulo, o vereador Fernando Holiday, do Democratas, de Direita, foi eleito com 48.055 votos, a 13ª maior votação, com uma campanha contra o sistema de cotas e pelo fim do 20 de novembro, feriado da Consciência Negra. Holiday tinha 20 anos e surgiu na política impulsionado pelo MBL (Movimento Brasil Livre), de perfil neoliberal.

Em 2020, Holiday tenta a reeleição, agora pelo partido Patriota, também de Direita. Para a campanha, ele fez um rap parodiando a abertura da série cômica “Um Maluco no Pedaço” e a letra diz “O Movimento Negro vai ter que chorar de pé. Essa cadeira é minha e o negão é de fé”.

Em Salvador, capital da Bahia, Nestor Neto, ex-presidente da UBES (União Baiana de Estudantes Secundaristas), está no MDB desde 2003 e diz que o partido oferece mais oportunidades e liberdades para candidatos negros do que as legendas de Esquerda.

“O partido é constituído de caciques nos Estados, mas não vejo que exista falta de liberdade para tomarmos nossas posições. Não sinto nenhum tipo de resistência para as bandeiras que defendo. Já me posicionei contra as decisões do governo Temer e contra uma aliança com a Dilma, sem ter sido repreendido ou tolhido. A liberdade de posição nós temos”, conta Neto, que em 2020 disputa uma cadeira na Câmara dos Vereadores.

Pela legenda, ele já disputou campanhas para vice-prefeito e deputado estadual. Segundo o candidato, na Esquerda os negros têm menos espaço por conta das subdivisões e disputas internas.

“Esses candidatos negros, que vêm da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, dos estudantes, não recebem na Esquerda nem oportunidades, nem prioridade. A Esquerda vê essas candidaturas como ‘barrigas de aluguel’, que vão trazer 500, 1 mil ou 2 mil votos para eleger as candidaturas que eles querem. Por isso, uma parte dos candidatos negros que não se enquadram numa militância ideológica, procuram os partidos de Direita e de Centro por ser mais fácil aprovar uma candidatura”, avalia.

“Eu, por exemplo, vim do movimento estudantil, atuei na criação de centros estudantis no ensino médio, mas tive meu nome vetado para filiação no PT, no PCO, no PCdoB, por conta de disputa de corrente ideológica”, considera.

Para a articuladora política Magda Gomes, a esquerda também tem perdido “terreno” por conta da superficialidade como trata as questões raciais. “A democracia deve considerar igualmente as agendas progressistas como urgência e emergência, todas as agendas são importantes, porém o debate antirracista não deve ser apenas uma hashtag, deve ser uma prática”, finaliza.

Como chegamos aos dados?

Nós analisamos as bases de dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do pleito municipal de 2016 a partir das candidaturas e do total de votos. Relacionamos cada uma delas pelo número sequencial do candidato para sabermos quais candidatos foram eleitos. Posteriormente, uma classificação do posicionamento político de cada partido foi realizada pelo professor Luis Augusto do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Cada partido foi classificado como de “Direita”, “Centro” e “Esquerda”.

As candidaturas analisadas foram apenas as aptas, com processos deferidos e de eleições ordinárias, com informações para valores e eleições. As análises descritivas e de distribuição foram realizadas de forma direta com a base de dados final encontrada para o estados do Rio de Janeiro.

Texto atualizado as 14h10 de 11 de novembro de 2020 para correção de informações. Todos os dados usados na reportagem referem-se ao estado do Rio de Janeiro.

Esta reportagem faz parte da cobertura das Eleições Municipais no Brasil com recorte de raça, produzida em parceria com o Alma Preta.

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