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Retorno às aulas nas escolas de Manaus começa nesta segunda-feira (10) e foi divulgado como sendo unanimidade entre docentes. Sindicato de professores negam dados do governo e questionam pesquisa .
Na manhã da última segunda-feira (3) uma carreata organizada pelo Sinteam (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas) e pelo Asprom (Sindicato dos Professores e Pedagogos das Escolas Públicos do Ensino Básico de Manaus) dirigiu-se até à Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas para protestar contra o decreto do governador Wilson Lima (PSC), ex-apresentador do programa Alô Amazonas, que autoriza a volta às aulas na rede pública da capital do estado. No plano de retorno às aulas realizado pela Secretaria, os alunos do ensino médio voltam nesta segunda (10) para as escolas e os do ensino fundamental no dia 24 de agosto.
O motivo para o movimento dos professores foi a divulgação do levantamento realizado pela Secretaria de Educação, que justifica a volta às aulas presenciais. Os professores afirmam que a pesquisa é tendenciosa e não revela a realidade. “Essa pesquisa é uma fraude, você era induzido a escolher uma das formas de retorno apresentadas pela Secretaria. Não existia a possibilidade de dizer ‘eu não quero que retorne’ [as aulas]” disse um dos representantes da Asprom, em programa transmitido ao vivo pela Rádio Rio Mar FM, na última quarta-feira (5). Luís Fabian Barbosa, secretário de Educação e Desporto do estado, rebateu ao vivo às críticas alegando que fica “espantado que os dirigentes da Asprom que não são profissionais de saúde pública e nem entendem de estatística, afirmarem que o ato da Secretaria é criminoso” (vídeo disponível aqui).
A equipe do data_labe recebeu o questionário integral da pesquisa enviada aos professores do Estado. Nele constam 28 perguntas referentes a como os professores se sentiriam mais confortáveis para a volta às aulas e que apoio necessitariam. Apenas uma pergunta questiona se o professor se sente seguro para voltar às aulas presenciais. No material oficial de divulgação da pesquisa presente no plano de retorno às aulas (confira no link), não existe nenhuma divulgação do resultado desta única pergunta referente à opinião dos professores.
Além de omitir os números de resposta sobre se os professores sentem-se seguros ou não com a volta às aulas, a Secretaria tem noticiado que 97% dos professores concordam com o retorno das aulas parcialmente presenciais, em formato híbrido, com metade dos alunos revezando os dias de aulas. No entanto, nenhuma das três opções de resposta contemplavam o desejo de não retorno.
A pergunta era: “Qual o sistema de volta às aulas preferido pelos professores”. Seria como se um dentista lhe perguntasse qual método você gostaria de usar para extrair um dente, com ou sem anestesia, mas não lhe desse a opção de tratamento dentário para conservar seus dentes. Ao desenhar uma pesquisa é necessário ter clareza no que se quer medir e formular perguntas que possam ser comparadas entre si de modo a identificar o real desejo do entrevistado, principalmente quando o questionário é apenas enviado pela internet e trata de um assunto tão delicado como a vida de jovens estudantes da rede pública que já enfrentam péssimas condições de estudo.
Conversamos com a representante do SINTEAM para verificar a real opinião dos docentes. A professora Ana Cristina Rodrigues relata que os profissionais são contra o retorno às aulas porque as escolas não possuem estrutura capaz de receber os alunos sem expor as vidas dos professores e a dos estudantes ao risco de contaminação pelo coronavírus, pandemia que já matou mais de 101.000 brasileiros. Em visitas realizadas às escolas, a representante do SINTEAM presenciou salas de aulas com pouca ventilação e até mesmo salas de aula sem janela, o que potencializa o risco de contaminação dos alunos por Covid-19.
No protocolo de volta às aulas, a Secretaria recomenda que o ar-condicionado permaneça desligado para ventilar a sala com ar fresco vindo das janelas, não levando em consideração o calor da região Amazônica. A previsão da temperatura para a semana de volta às aulas é de máxima de 34º e umidade de mais de 60% na capital do Estado. Quase como estudar em uma sauna, mas usando máscaras e passando álcool 70% nas mãos, é claro.
A volta às aulas presenciais na rede pública manauara contraria as decisões de todo o restante do Brasil. No dia 16 de julho, o estado de São Paulo, que previa a volta às aulas em setembro, voltou a reavaliar a data. De acordo com o levantamento realizado pelo professor e matemático da FGV Ronaldo Massad, e noticiado pelo G1, apenas no primeiro dia de aulas teríamos 1.700 novos casos de transmissão do coronavírus em crianças que retornassem às aulas, mesmo cumprindo todas as medidas de restrição. Em 15 dias esse número alcançaria 6.800 casos e 152 óbitos apenas em crianças.
Até o dia 04, o Amazonas possuía 103.269 casos acumulados e 3.299 óbitos confirmados por Covid-19. Apenas neste único dia, o Estado confirmou mais 883 novos casos. De acordo com o levantamento realizado pela Fiocruz, através da plataforma monitora covid, 55.570 adultos com diabetes ou doenças do coração ou pulmão convivem com jovens entre 3 e 17 anos no Estado do Amazonas.
No dia 03, o secretário Luís Fabian Barbosa realizou visitas a duas escolas que voltarão às aulas presenciais hoje (10). Nesta visita o secretário convidou dois deputados estaduais, Therezinha Ruiz (PSDB) – formada em letras – e Sinésio Campos (PT) – graduado em filosofia – para visitarem e acompanharem as medidas de proteção implementadas nas escolas. De acordo com o secretário, o governo do Estado do Amazonas firmou uma parceria com Banco Interamericano do Desenvolvimento para a compra de kits de higiene para serem distribuídos na rede pública. Nossa equipe apurou a plataforma de projetos contemplados do Banco e apenas encontrou dois financiamentos com o Amazonas, um sobre criação de peixes e outro de sistema hidroviário. Contatamos o gabinete do secretário para recebermos outras informações sobre esse financiamento, mas não obtivemos retorno.
O plano de retorno às aulas planejado pela Secretaria determina que as turmas de alunos sejam divididas em dois grupos e alterne os dias a ida à escola. Na sala de aula, os alunos ainda serão divididos em mais dois grupos para entrada e saída da sala no início, intervalo e final das aulas. A temperatura dos alunos deve ser medida por algum profissional escolhido pela gestão escolar e o uso de máscaras é obrigatório. As temperaturas devem ser notificadas pela gestão escolar no livro de controle da temperatura de alunos e profissionais. Tapetes sanitizantes devem ser alocados nas entradas das escolas, mas o plano não permite a formação de filas para entrada dos alunos na tentativa de evitar aglomeração. Além disso, as salas de aulas devem ser higienizadas duas vezes em cada turno, com maior foco às superfícies de grande contato com as mãos.
A representante do SINTEAM – Ana Cristina Rodrigues – relata que a Secretaria não provê estrutura básica para as aulas mesmo antes da pandemia e teme que os professores não encontrem as condições mínimas para ministrarem suas aulas. Além de estarem expostos a todo tensão de ambientes inóspitos, quentes e de alto risco de contaminação. Na busca do melhor método de adequação do ensino, em tempos de pandemia, precisamos lembrar que aquele que contém risco de morte é, com certeza, o menos indicado.
Confira entrevista com a dirigente do SINTEAM no vídeo abaixo: