DA MARÉ PARA O EGITO

Cria da Maré, o universitário Vinicius Lopes participou da COP 27, evento sobre mudanças climáticas realizado pela ONU, no Egito.

“Para uma pessoa preta e vinda de favela como eu, é muito importante ocupar esse espaço.” Quando ingressou na PUC-RJ para cursar Relações Internacionais, Vinícius Lopes já esperava poder cruzar muitas fronteiras. Mas a experiência de participar da maior conferência climática do mundo impactou o jovem de 23 anos de forma especial. Foram 22 horas de viagem do Rio de Janeiro até a cidade egípcia de Sharm-el Sheikh, que sediou a 27ª edição do evento da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 27. 

O evento é resultado da Convenção Quadro das Nações Unidas para Alterações Climáticas, um tratado assinado por diversos países em 1992. O compromisso estabeleceu que todos os países membros devem se reunir anualmente para debater, repensar e discutir o impacto e o enfrentamento das mudanças climáticas no planeta.

Nascido e criado no Conjunto Esperança, Vinícius integra a equipe do Cocôzap, um projeto de participação social, incidência e geração cidadã de dados sobre saneamento básico em favelas. Por conta disso, o dia a dia do articulador do data_labe, organização responsável pelo Cocôzap, envolve pensar como as mudanças climáticas impactam a vida de quem mora nas favelas e periferias do Rio de Janeiro, que sofrem com enchentes, falta d’água, calor excessivo, entre outros problemas. Com esta bagagem, o mareense se juntou a mais seis jovens moradores de periferias da região metropolitana. A delegação representou a Coalizão “O Clima é de Mudança”, uma mobilização de cinco organizações da sociedade civil que buscam pautar  o debate climático a partir de perspectivas periféricas e faveladas. São elas Agenda Realengo 2030, o data_labe, o Lab Jaca, a Plataforma Cipó e a Visão Coop. Nessa entrevista, Vinícius compartilha suas impressões sobre a conferência e o que o Brasil pode esperar dos encaminhamentos do encontro.

Vinicius Lopes representou o data_labe na 27ª edição da conferência, realizada na cidade turística de Sharm el-Sheik

A Coalizão O Clima é de Mudança é composta por diversos jovens que, assim como você, são crias de territórios frequentemente marginalizados e afastados. Qual a sensação de ocupar esse espaço no debate climático?

Como pessoa preta e que veio de favela, estar neste lugar e participar deste debate agregou muito simbolicamente. Na COP 27 tinha uma galera de favelas e periferias, assim como representações indígenas. Mas se a gente era 100, 200 pessoas, vimos que outros milhares eram pessoas brancas e de países europeus, então a conta não fechava. 

Geralmente esses espaços são formados por pessoas brancas e/ou com um alto poder aquisitivo. Em contrapartida, temos aí essa juventude que está olhando para o clima. Estar ali é não apenas ouvir, não só fazer pressão, mas também participar em debates muito qualificados, sabe? É sair um pouco desse lugar de objetos, ou até de coitados, como somos colocados, para de fato estar ocupando, pautando o debate e mostrando nossos pontos. É sobre hackear o debate.

E quais foram suas impressões sobre o evento?

A primeira foi sobre como a COP é um lugar evento distante, para além da localização física. Acho que um dos grandes impactos que a gente sentiu, como coalizão mesmo, foi sobre como é difícil acessar o espaço. A gente conseguiu claramente perceber que quem tá nesse rolê há mais tempo conseguia extrair o máximo dali, enquanto quem, assim como nós, estava chegando ficava um pouco mais perdido. Então acho que a primeira impressão é: um lugar difícil de assistir e difícil de entender a dinâmica territorial.

Vinicius Lopes, Maria Clara Salvador, Gabrielle Alves, Thiago Nascimento, Marcele Oliveira e Mariana de Paula participaram da delegação que representou a Coalizão O Clima é de Mudança. (Foto: Acervo Coalizção O Clima é de Mudança)

Qual momento desse período foi mais especial ou marcante para você?

Durante essa edição especificamente, houve uma presença muito forte da esfera civil. Um dos momentos mais marcantes, na minha opinião, foi como a primeira fala do presidente eleito Lula trouxe a perspectiva de abertura para a participação da sociedade civil. Foi um momento em que a COP parou, sabe? Todo mundo parou para ouvir o que o Lula tinha a dizer. Esse foi o momento mais marcante porque agora, para além de partidos políticos, a gente consegue ter um Brasil inserido na pauta ambiental e climática. Até porque, por muitos anos, a gente esteve no centro desse debate, foi protagonista. 

Desde o início dos anos 2000 até 2013, mais ou menos, o Brasil era um dos países que mais tinham voz para pensar em meio ambiente. Era um país que as pessoas ouviam, era protagonista no debate. Então, o discurso do Lula criou essa expectativa de “Será que o Brasil vai voltar a ser um Brasil como antes?”

O presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva esteve presente na COP27 e se reuniu com diferentes representantes de organizações da sociedade civil. (Foto: Ricardo Stuckert)

Que pautas mais ligadas à favela você viu serem debatidas durante a COP 27?

Uma das agendas do presidente eleito foi uma reunião com a sociedade civil brasileira, na qual puderam participar cerca de 150 pessoas de diferentes organizações, e que foi transmitida em uma sala para as demais pessoas. Nós da Coalizão estávamos lá. Basicamente foi uma oportunidade do presidente Lula escutar a sociedade e que as pessoas pudessem falar também, numa troca bem ativa. Lideranças importantes como Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, a Thuane Nascimento, do PerifaConnection e do Movimenta Caxias trouxeram esse debate a partir da favela, falaram sobre racismo ambiental e como as questões climáticas chegam pra gente que mora aqui. 

Também houve diversos protestos sobre justiça ambiental e justiça climática em outros espaços da COP 27, muito porque outros países têm comunidades vulnerabilizadas.

Existe um conceito chamado “perdas e danos” que basicamente diz respeito a locais que vão ser duramente afetados pelos efeitos negativos das mudanças climáticas, e onde não há mais adaptação possível que possa impedir esses prejuízos.

As Ilhas Fiji, por exemplo, localizadas no Oceano Pacífico têm sofrido constantemente com inundações por conta do aumento do nível do mar E, na real, a gente nem precisa ir tão longe pra entender esse conceito. As favelas e periferias também têm sentido o impacto das mudanças climáticas. Aqui na Maré a gente tem visto, cada vez mais, como as chuvas fortes e inesperadas inundar as ruas e as casas por dias, fazendo om que famílias percam tudo que têm.

O que você sente que irá acontecer, principalmente em relação ao Brasil, após esses debates?

A grande expectativa pro Brasil e pro mundo é olhar para as comunidades historicamente marginalizadas e, por isso, mais afetadas pelos efeitos negativos da crise climática. Essa foi, definitivamente, a COP da Justiça Climática – ou seja, a COP na qual o mundo todo entendeu que é necessário olhar pra quem vai ser mais afetado e tomar iniciativa.

Um dos resultados da COP 27 foi um acordo em prol de um fundo de financiamento para perdas e danos. Isso significa que os países do Sul Global – aqueles chamados de países de 3º mundo – pensar em maneiras de se adaptar, de enfrentar, ou ao menos, reparar as pessoas que vão ser atingidas duramente pelos efeitos da crise climática, desde períodos de secas a períodos de enchentes por conta das chuvas. 

O Brasil é um dos países do “Sul Global”, por estar localizado na América do Sul, daí o uso do termo. Durante as negociações, o Estado Brasileiro também se colocou favorável à criação, então a gente espera também que os compromissos firmados pelo governo de transição e pelo presidente eleito Lula- como uma maior escuta à sociedade civil, aos jovens, às periferias, por exemplo – sejam o fio condutor dos próximos anos. E a comissão do Lula também ofereceu que o Brasil seja a casa da COP30, que está prevista para 2025. Será mais uma oportunidade de que grupos que geralmente são esquecidos ou expulsos do debate climático tenham maior participação e possam contribuir para discussões que de fato consideram a realidade dos moradores.

Esta reportagem é uma parceria do CocôZap, projeto do data_labe de monitoramento e incidência sobre saneamento básico nas favelas, com o Maré de Notícias.

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