JUNTO E MISTURADO

Isolamento e quarentena são possíveis nas favelas?

reportagem
Breno Souza

arte
Giulia Santos

edição
Fred Di Giacomo

Grande quantidade de pessoas em casas de poucos cômodos aumenta riscos dos moradores de comunidades na maior epidemia mundial dos últimos 100 anos.

Viver em uma favela, em meio à pandemia de Coronavírus que já matou mais de 18 mil pessoas ao redor do mundo nos últimos três meses, coloca de cara os moradores de periferia em uma condição dura. Quanto maior a quantidade de pessoas vivendo no mesmo espaço, mais difícil é estabelecer o isolamento, o que facilita a expansão do vírus. O Corona é transmitido pelo contato físico com pessoas contaminadas ou com suas secreções (como espirro, catarro ou fezes). E tem muita gente vivendo apertada no nosso país. De acordo com o último Censo do IBGE, aqui no Brasil 11,4 milhões de pessoas residiam em aglomerados subnormais (um termo técnico para favelas e outras áreas de ocupação irregular). Destas pessoas, 2 milhões moravam no Estado do Rio de Janeiro, sendo 1,4 milhão somente na capital, cidade brasileira onde há mais pessoas vivendo em favelas. Só as dez maiores favelas do Rio aglomeram 437.286 pessoas (mais gente do que a população de Vitória, capital do Espírito Santo), de acordo com o último Censo do IBGE 2010. E quais são essas favelas? Segundo o Instituto Pereira Passos, que estimou as dez favelas mais populosas do Rio, o maior número de pessoas está na Rocinha, seguida pelos Complexos da Maré e de Rio das Pedras (Jacarepaguá). 

Os números  oficiais parecem desatualizados. O Censo Populacional da Maré, realizado entre 2012 e 2013 pela Redes da Maré e divulgado em 2019, indica uma população total de 139.073 habitantes só na favela da zona norte. Não existem outros dados oficiais sobre as outras favelas além dos do Censo Brasileiro.Os números  oficiais parecem desatualizados. O Censo Populacional da Maré, realizado entre 2012 e 2013 pela Redes da Maré e divulgado em 2019, indica uma população total de 139.073 habitantes só na favela da zona norte. Não existem outros dados oficiais sobre as outras favelas além dos do Censo Brasileiro.

Carlos Silva, de 27 anos, mora no Parque União, uma das 16 comunidades do  Complexo da Maré, com sua mãe e seu pai. Os três possuem problemas de saúde: Carlos tem bronquite, sua mãe é diabética e seu pai faz uso de medicação controlada. A previsão de que o serviço de saúde pública possa não dar conta da alta demanda de pacientes deixa a família em alerta, por isso todos estão tomando os devidos cuidados com a higienização pessoal, além do isolamento social. No caso de algum membro da família ser infectado pelo Coronavírus, Carlos diz que é impossível manter a pessoa isolada na mesma residência, isso porque os poucos cômodos de sua casa são pequenos. No local onde Carlos mora as residências são muito próximas, com vizinhos praticamente dividindo os mesmos espaços. Isolamento para eles é utopia. Outra preocupação nesse momento delicado é a insegurança financeira de muitas famílias, já que grande parte das pessoas que ele conhece são autônomas, estando impossibilitadas de trabalhar e assim trazer o sustento para suas casas. Como botar comida na mesa sem poder trabalhar por mais de 15 dias? O abastecimento de comida em casa é uma das preocupações de Micaelly Bizarria, de 21 anos, que mora na Vila do Pinheiro, também parte do Complexo da Maré, com sua filha de um ano e seu esposo, que mesmo neste período tem que trabalhar diariamente. Além do abastecimento de comida, as preocupações do casal estão voltadas para os riscos que a bebê corre.

Na Maré, além de Micaelly e Carlos, moram 75.718 pessoas, segundo o Censo de 2010. Os números  oficiais parecem desatualizados, já que o Censo Populacional da Maré ,realizado entre 2012 e 2013 pela Redes da Maré e divulgado em 2019, indica uma população total de 139.073 habitantes na favela da zona norte, um número bem maior do que o apresentado pelo IBGE. De acordo com Observatório Sebrae/RJ, a Zona Norte carioca, onde se localiza a Maré, é a região com maior densidade da capital fluminense: 10.185 habitantes por quilômetro quadrado, quase o dobro do resto da cidade. A densidade demográfica do município do Rio de Janeiro é de 5.161 habitantes por quilômetro quadrado, quase metade do que se vê na zona norte. Se focarmos nas favelas, a aglomeração de pessoas aumenta. Com base nos dados do Censo Maré 2019 e no Plano Diretor da cidade do Rio de 2009, descobrimos que a favela da Rocinha, localizada na Zona Sul, apresenta a maior aglomeração urbana da cidade, com aproximadamente 48.258 habitantes por quilômetro quadrado e o Complexo da Maré tem 32.552 habitantes por quilômetro quadrado. Isso quer dizer que no mesmo espaço que vive uma pessoa, em média, no restante da cidade do Rio, na Rocinha moram quase 10. 

Dentre as medidas indicadas pelas autoridades no combate ao Corona vírus, que já contaminou mais de 420 mil pessoas ao redor do mundo, está a de procurar o sistema de saúde apenas se forem registradas febre alta e dificuldade respiratória. Em casos menos complicados é recomendável isolar e tratar dentro da própria casa as pessoas que venham a sentir sintomas de uma gripe comum (como tosse, coriza e dor no corpo). Mas como isolar alguém dentro de casa quando a casa possui apenas um cômodo? Os dados do Censo Populacional da Maré revelam que o complexo de favelas possui 11.185 domicílios por quilômetro quadrado. Dados do Censo Maré mostram também que a média de moradores por domicílio é de aproximadamente três pessoas. É o caso dos avós de Lucas Ferreira, de 25 anos, morador da comunidade do Arará, em Benfica. “Minha avó e minha tia respeitam a quarentena desde o primeiro dia, mas meu avô faz parte daqueles idosos que não conseguem ficar em casa. Então, ele vai pra rua diversas vezes ao dia”, diz Lucas, que estuda farmácia. e se preocupa com o avanço do Coronavírus principalmente entre os idosos. Seus avós e sua tia dividem uma casa, estando os três no grupo de risco. O avô de Lucas tem relutado em cumprir o isolamento, juntando-se ao grupo de brasileiros que ainda não acredita na gravidade da pandemia. A alta densidade das favelas brasileiras impacta diretamente em sua arquitetura. Para comportar mais pessoas em espaços cada vez mais reduzidos, puxadinhos minúsculos e quitinetes de apenas um cômodo vêm se tornando os tipos de moradia mais comuns nas favelas. De quebra, há ainda os prédios disputando espaço entre becos estreitos, o que dificulta a circulação do ar e o arejamento de todos cômodos, afetando a respiração. 

As favelas brasileiras são grandes aglomerados de casas e pessoas por metro quadrado, e essas pessoas muitas vezes dividem o mesmo cômodo. Esses dados são extremamente importantes nas tomadas de decisões e contribuem para identificação das possíveis áreas críticas, onde o avanço da pandemia pode causar mais estragos. Soluções eficientes passam por reforçar as clínicas de atendimento primário, capacitando mais profissionais, e dando-lhes condições sanitárias de trabalho. É preciso também garantir o abastecimento de água e propôr soluções para que os trabalhadores tenham condições de manter o pão na mesa mesmo em períodos de isolamento.

 A  vida tem valor igual em qualquer área da cidade, os esforços precisam ser coletivos e não segregadores. Populações periféricas já sofrem com o abuso das violentas operações policiais, que revelam a face de uma política que trata os seres humanos de acordo o CEP de sua residência. Diante de tantos dados e informações, é preciso ligar o alerta urgentemente, definindo estratégias específicas que levem em conta a real situação de vida dos brasileiros.

Esta é a primeira reportagem da parceria entre o data_labe, a Gênero e Número, a Énois e a Revista AzMina na cobertura do novo Coronavírus (COVID-19) com recortes de gênero, raça e território. Acompanhe nas redes e pelas tags #EspecialCovid #COVID19NasFavelas #CoronaNasPeriferias

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