MANAUS: RESENHA, COVID E ORAÇÕES

Um jovem vida loka e um jovem cristão contam como lidam com o aumento de casos de covid-19 nas periferias de Manaus.

reportagem: Paulo Mota      arte: Giulia Santos     edição: Fred DiGiacomo

 

Quando o assunto é Manaus, eu tenho propriedade, sou manauara desde jitinho (pequeno no linguajar local). Quando nasci, em 1986, a cidade já era uma grande metrópole, muito impulsionada pela Zona Franca Industrial de Manaus.

Então para mim sempre foi motivo de pavulagem (diversão) quando alguém não conseguia entender que existe uma grande cidade no meio da floresta amazônica.

Manaus tem periferias bem delimitadas. Zonas inteiras são bem ricas, planejadas, com infraestrutura e outros bairros mais distantes concentram a pobreza. As zonas norte e leste são as menos favorecidas da cidade.

Meus amigos de infância são pessoas mais privilegiadas, que moram em apartamentos próprios, dentro de condomínios. Eles me contam que, nesta segunda fase de aumento de casos de covid-19, eles têm observado de suas janelas as ruas realmente mais vazias. Mas,  basta irem ao supermercado para verem que a cidade continua agitada. Mais de um integrante da mesma família ao mesmo tempo no mercado (o que não deveria acontecer de acordo com o decreto N° 43.282, de 14 de janeiro de 2021), e pessoas andando nas ruas sem máscara.

E na quebrada?

Essas observações me fizeram pensar: se até mesmo em áreas onde supostamente é mais fácil cumprir o distanciamento social, onde mais pessoas trabalham em home office, geral está na rua, como está a periferia de Manaus nesta segunda fase da pandemia com o aumento de casos?

Para isso, fui atrás de dois jovens que pudessem me contar como eles têm vivido. O primeiro que conversei foi o Thiago, 17, evangélico, morador do bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus. Ele me disse que “algumas pessoas achavam que o isolamento era uma besteira, foi preciso que pessoas morressem para que começassem a se isolar. Aproximadamente em abril percebi que algumas pessoas aderiram ao isolamento.”

Já Rusben, 18, estudante e ajudante de pedreiro, morador do bairro Novo Israel, também zona norte de Manaus, tem outra visão: “as pessoas só se isolaram nas primeiras semanas, depois estava tudo quase que normal. Povo na rua, se abraçando, bebendo junto e outras coisitas mais”.

Thiago está cursando o primeiro ano do ensino médio desde 2020, e, não, ele não reprovou de ano na escola. Ele estuda em uma escola que interrompeu todas as atividades principais, devido à pandemia, e decidiu manter os alunos no mesmo ano letivo, “É um pouco frustrante estar ainda no mesmo ano, mas eu entendo que foi melhor para os alunos.”

Thiago me contou que, atualmente, só tem saído de casa para ir na taberna [pequenos comércios] comprar o que precisa para casa. Thiago, que é cristão evangélico há muitos anos, me disse que obedecer às medidas de restrição e isolamento é mais fácil: “A obediência faz parte do comportamento cristão, todo jovem que realmente é cristão tem facilidade em obedecer”.

Rusben, que parece viver mais próximo da minha realidade, conta: “Neste fim de semana, encontrei amigos para uma resenha, bebemos, lanchamos, mas no domingo fiquei em casa porque na segunda precisava trabalhar”.

Deus e o diabo na terra do sol

Enquanto a igreja de Thiago está fechada, e ele só tem assistido aos cultos online,  Rusben tem visto muitas festas clandestinas que vão até de manhã: A polícia só fecha algumas festas. De umas cinquenta festas, apenas duas são fechadas”.

Porém Thiago e Rusben têm algumas semelhanças em seu cotidiano e suas saídas. Quando Manaus flexibilizou as medidas de isolamento, no segundo semestre de 2020, Thiago estava frequentando sua igreja normalmente, e também participando dos ensaios de dança que pratica no local: “Eu estava ensaiando sem máscara, porque treinar com máscara é mais difícil, mas depois colocava a máscara de volta”. Além disso, Thiago me contou que enquanto a igreja estava aberta, as cadeiras ficavam a 1,5m de distância e algumas pessoas acabavam se abraçando em algum momento do culto.

Em março de 2020 ele sentiu alguns sintomas de covid-19. Na época, sua mãe o levou para atendimento médico, mas naquele momento ainda nem tinha exame para diagnosticar a doença. Thiago tomou remédios para tosse e sentiu melhoras. Já em janeiro de 2021, Thiago acordou com dificuldades de respirar e retornou ao médico. Ele realizou uma tomografia que identificou uma mancha em seu pulmão. Segundo a médica, se tratava de sequelas da doença que ele havia contraído anteriormente.

Enquanto Rusben não sofreu nenhuma perda de pessoas próximas a ele, Thiago viu seu avô sofrer, em sua própria casa, por ter complicações respiratórias e precisar de oxigênio.

Antes da pandemia era fácil conseguir o oxigênio para o avô, mas com a falta do recurso em Manaus, as pessoas “ganharam dinheiro com a desgraça dos outros” – afirma Thiago. Para ele, foi a iniciativa das pessoas da sociedade que fez com que ele e sua família conseguissem oxigênio para seu avô.

“Meu tio teve que passar o dia inteiro numa fila, nós mesmos tivemos que fazer o transporte e trazer para casa. Se não fosse a ajuda de artistas e influencers, acho que a gente não teria conseguido achar oxigênio para o meu avô. As pessoas fizeram muito mais do que os governantes de Manaus, pode por isso na reportagem”. [Tudo bem Thiago, promessa é dívida] Por fim, Rubens me conta que muitas pessoas precisam sair de suas casas: “o pai de família que tem que sustentar a casa, vai sair. O governador fecha os locais de trabalho, promete vacina, mas não tem. Enquanto isso, o povo não tem benefício, e precisa ganhar dinheiro, só que você pode não sentir nenhum sintoma e contaminar sua família”.

reportagem: Paulo Mota      arte: Giulia Santos     edição: Fred DiGiacomo

 

Quando o assunto é Manaus, eu tenho propriedade, sou manauara desde jitinho (pequeno no linguajar local). Quando nasci, em 1986, a cidade já era uma grande metrópole, muito impulsionada pela Zona Franca Industrial de Manaus.

Então para mim sempre foi motivo de pavulagem (diversão) quando alguém não conseguia entender que existe uma grande cidade no meio da floresta amazônica.

Manaus tem periferias bem delimitadas. Zonas inteiras são bem ricas, planejadas, com infraestrutura e outros bairros mais distantes concentram a pobreza. As zonas norte e leste são as menos favorecidas da cidade.

Meus amigos de infância são pessoas mais privilegiadas, que moram em apartamentos próprios, dentro de condomínios. Eles me contam que, nesta segunda fase de aumento de casos de covid-19, eles têm observado de suas janelas as ruas realmente mais vazias. Mas,  basta irem ao supermercado para verem que a cidade continua agitada. Mais de um integrante da mesma família ao mesmo tempo no mercado (o que não deveria acontecer de acordo com o decreto N° 43.282, de 14 de janeiro de 2021), e pessoas andando nas ruas sem máscara.

E na quebrada?

Essas observações me fizeram pensar: se até mesmo em áreas onde supostamente é mais fácil cumprir o distanciamento social, onde mais pessoas trabalham em home office, geral está na rua, como está a periferia de Manaus nesta segunda fase da pandemia com o aumento de casos?

Para isso, fui atrás de dois jovens que pudessem me contar como eles têm vivido. O primeiro que conversei foi o Thiago, 17, evangélico, morador do bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus. Ele me disse que “algumas pessoas achavam que o isolamento era uma besteira, foi preciso que pessoas morressem para que começassem a se isolar. Aproximadamente em abril percebi que algumas pessoas aderiram ao isolamento.”

Já Rusben, 18, estudante e ajudante de pedreiro, morador do bairro Novo Israel, também zona norte de Manaus, tem outra visão: “as pessoas só se isolaram nas primeiras semanas, depois estava tudo quase que normal. Povo na rua, se abraçando, bebendo junto e outras coisitas mais”.

Thiago está cursando o primeiro ano do ensino médio desde 2020, e, não, ele não reprovou de ano na escola. Ele estuda em uma escola que interrompeu todas as atividades principais, devido à pandemia, e decidiu manter os alunos no mesmo ano letivo, “É um pouco frustrante estar ainda no mesmo ano, mas eu entendo que foi melhor para os alunos.”

Thiago me contou que, atualmente, só tem saído de casa para ir na taberna [pequenos comércios] comprar o que precisa para casa. Thiago, que é cristão evangélico há muitos anos, me disse que obedecer às medidas de restrição e isolamento é mais fácil: “A obediência faz parte do comportamento cristão, todo jovem que realmente é cristão tem facilidade em obedecer”.

Rusben, que parece viver mais próximo da minha realidade, conta: “Neste fim de semana, encontrei amigos para uma resenha, bebemos, lanchamos, mas no domingo fiquei em casa porque na segunda precisava trabalhar”.

Deus e o diabo na terra do sol

Enquanto a igreja de Thiago está fechada, e ele só tem assistido aos cultos online,  Rusben tem visto muitas festas clandestinas que vão até de manhã: A polícia só fecha algumas festas. De umas cinquenta festas, apenas duas são fechadas”.

Porém Thiago e Rusben têm algumas semelhanças em seu cotidiano e suas saídas. Quando Manaus flexibilizou as medidas de isolamento, no segundo semestre de 2020, Thiago estava frequentando sua igreja normalmente, e também participando dos ensaios de dança que pratica no local: “Eu estava ensaiando sem máscara, porque treinar com máscara é mais difícil, mas depois colocava a máscara de volta”. Além disso, Thiago me contou que enquanto a igreja estava aberta, as cadeiras ficavam a 1,5m de distância e algumas pessoas acabavam se abraçando em algum momento do culto.

Em março de 2020 ele sentiu alguns sintomas de covid-19. Na época, sua mãe o levou para atendimento médico, mas naquele momento ainda nem tinha exame para diagnosticar a doença. Thiago tomou remédios para tosse e sentiu melhoras. Já em janeiro de 2021, Thiago acordou com dificuldades de respirar e retornou ao médico. Ele realizou uma tomografia que identificou uma mancha em seu pulmão. Segundo a médica, se tratava de sequelas da doença que ele havia contraído anteriormente.

Enquanto Rusben não sofreu nenhuma perda de pessoas próximas a ele, Thiago viu seu avô sofrer, em sua própria casa, por ter complicações respiratórias e precisar de oxigênio.

Antes da pandemia era fácil conseguir o oxigênio para o avô, mas com a falta do recurso em Manaus, as pessoas “ganharam dinheiro com a desgraça dos outros” – afirma Thiago. Para ele, foi a iniciativa das pessoas da sociedade que fez com que ele e sua família conseguissem oxigênio para seu avô.

“Meu tio teve que passar o dia inteiro numa fila, nós mesmos tivemos que fazer o transporte e trazer para casa. Se não fosse a ajuda de artistas e influencers, acho que a gente não teria conseguido achar oxigênio para o meu avô. As pessoas fizeram muito mais do que os governantes de Manaus, pode por isso na reportagem”. [Tudo bem Thiago, promessa é dívida] Por fim, Rubens me conta que muitas pessoas precisam sair de suas casas: “o pai de família que tem que sustentar a casa, vai sair. O governador fecha os locais de trabalho, promete vacina, mas não tem. Enquanto isso, o povo não tem benefício, e precisa ganhar dinheiro, só que você pode não sentir nenhum sintoma e contaminar sua família”.

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