NEGROS TÊM 4X MAIS CHANCE DE SEREM ABORDADOS

Pesquisa “Por que eu?” realizada nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, aponta dois protocolos para buscas pessoais: um para negros e outro para brancos.

Oito em cada 10 pessoas negras já foram abordadas pela polícia. Entre as brancas, duas em 10 se lembram de ter passado pelo procedimento. A conclusão faz parte da pesquisa “Por que eu?”, um levantamento inédito feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o data_labe, que ouviu 1.018 pessoas entre maio e junho de 2021, no Rio de Janeiro (510) e em São Paulo (508). O relatório será lançado na próxima quinta-feira, 21 de julho, no site oficial da pesquisa. Haverá ainda duas apresentações presenciais do levantamento, em eventos abertos ao público: dia 21 de julho, 14h30, na sede do Observatório de Favelas, no Rio de Janeiro; e dia 7 de agosto, 15h, na Ocupação 9 de julho, em São Paulo.
Segundo o relatório, que teve seus registros, textos analíticos e bibliografia organizados entre junho de 2021 e junho de 2022, ser negro nos dois estados pesquisados significa ter risco 4,5 vezes maior de sofrer uma abordagem policial, em comparação com uma pessoa branca. No grupo daqueles que declararam ter sido abordados mais de 10 vezes, entre os negros, o percentual foi mais que o dobro (19,1%) em relação aos respondentes brancos (8,5%).
“Os dados mostram que o policiamento ostensivo se distribui e se concentra desigualmente quando considerados os diferentes grupos raciais, havendo maior vigilância e controle sobre a população negra”, destaca Paulo Mota, coordenador de dados do data_labe, responsável pela metodologia do estudo.
A pesquisa “Por que eu?” indica também que os negros tiveram sua raça/cor expressamente mencionada por agentes de segurança pública durante a abordagem em proporção muito maior: enquanto 46% das pessoas negras ouviram referências explícitas à sua raça/cor; entre as brancas, somente 7% tiveram a raça/cor mencionada.

Estudo revela que 89% das pessoas negras relataram violência física, verbal ou psicológica

A diferença de tratamento na abordagem é outra informação trazida pela pesquisa – o que, segundo o IDDD e o data_labe, aponta para a inconsistência em seguir um padrão ou a existência do que representantes das organizações chamam de “duplo protocolo”.
Pessoas negras especificaram condutas abusivas por parte de policiais em maior proporção do que as brancas, sendo o grupo mais representativo entre os que, por exemplo, relataram que policiais tocaram suas partes íntimas (42,4% ante 35,6% dos brancos).

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Pessoas negras são mais vítimas de abusos durante as abordagens: pesquisa “Por que eu?”

A pesquisa constatou que as situações nas quais há algum tipo de violência policial durante a abordagem também têm frequências distintas a depender do grupo racial. Entre brancos, 66,8% responderam positivamente a alguma das opções de situação de violência do questionário em suas experiências de abordagem contra 88,7% dos negros ouvidos. Na amostra, pessoas abordadas relataram violência física, verbal e psicológica, sendo que pessoas negras foram vítimas de agressões físicas, verbais e psicológicas (respectivamente, 8,8%; 17,2%; e 24,7%) em maior proporção do que pessoas brancas (6%; 14,1%; e 18,5%), além de serem assediadas moralmente (18,9% ante 13%) e ameaçadas (3,3% contra 2,2%) também em frequência maior.
Considerando as várias situações em que se dão as abordagens, destaca-se a diferença de proporção entre brancos e negros que disseram ter sido alvos de buscas pessoais em casa. O domicílio foi o local da abordagem para 13,5% das pessoas negras da amostra, sendo 5,1% para as brancas – ou seja, três vezes mais.
“O contraste aponta para o fato de que o princípio constitucional de inviolabilidade do lar tende a ser ainda menos respeitado quando as residências são habitadas por pessoas negras ou são localizadas em bairros predominantemente negros”, observa a criminalista e diretora do IDDD Priscila Pamela dos Santos.
Os participantes da pesquisa também avaliaram o tratamento dado pelos agentes de segurança durante as abordagens. Os resultados novamente variaram de acordo com os grupos raciais. Somam 47,1% os brancos que descreveriam o tratamento como “ruim” ou “péssimo”. Entre os negros, 74,5% das pessoas avaliaram o tratamento desta forma.

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Pessoas negras declaram maior quantidade de abordagens do que pessoas brancas

Suspeitas infundadas: mais de 80% de pessoas abordadas não são conduzidas à delegacia

Na amostra, 83,8% dos brancos e 87,5% dos negros nunca foram conduzidos à delegacia após uma abordagem. Para Priscila Pamela dos Santos, o dado reflete falta de precisão nos métodos atuais de identificação de suspeitos no policiamento ostensivo. “Pelo Código de Processo Penal que temos hoje, a busca pessoal é um meio para encontrar provas que serão usadas em processos criminais. No grupo de respondentes negros, a chamada ‘fundada suspeita’ se confirma em pouco mais de uma de cada 10 abordagens. Significa que 9 pessoas dessas 10 tiveram os seus direitos suspensos temporariamente sem razão alguma”, observa a advogada.
Para que seja considerada legal pela Justiça, a lei (Código de Processo Penal) determina que a busca pessoal só pode ocorrer sem ordem judicial mediante “fundada suspeita” do agente policial de que o abordado esconde objetos ilícitos. A sua função é obter provas a serem eventualmente utilizadas num processo criminal.
“O controle da atividade policial não é feito só por medidas de responsabilização individual depois do cometimento de crimes pelos agentes; ele também é feito quando a Justiça estabelece quais práticas são lícitas para subsidiar as acusações criminais. Se qualquer abordagem, ao bel prazer do agente, for considerada legal, estará dado o sinal verde para uma violação massiva e sistemática de direitos que se concentra na população negra, como mostra a pesquisa”, conclui Santos.

Confira abaixo alguns depoimentos dos participantes da pesquisa “Por que eu?”:

“Nunca fui abordada, mas já fui insultada e xingada na porta de casa, por defender um adolescente que estava sendo abordado. Estava grávida de 8 meses, fui chamada de puta, safada e conivente com traficantes. Detalhe: o menino estava chegando da escola e eu do trabalho”, mulher negra, RJ.

“Sou filha de mãe branca e pai negro e tenho dois irmãos. Meu irmão mais velho e eu, que temos fenótipo branco, nunca fomos abordados pela polícia na região onde morávamos, ao contrário de meu irmão mais novo, que tem fenótipo negro. Ele foi abordado diversas vezes pela polícia”, mulher branca, SP.

“Meu irmão foi abordado enquanto ia para o trabalho. Quando viram a carteirinha da faculdade dele, os policiais perguntaram por que ele estuda”mulher negra, RJ.

“Meu irmão (branco) estava com uns amigos na praça, fumando maconha. A polícia os parou e revistou. O único que tomou um tapa na cabeça e ouviu xingamentos dos policiais foi um amigo negro. Já meu irmão foi levado de viatura até a porta de casa, sem a menor truculência ou violência física nem verbal”, mulher branca, SP.

Sobre o IDDD

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) é uma organização fundada em 2000, formada por advogados criminais e defensores de direitos humanos reunidos pela vontade de transformar o sistema de justiça brasileiro para garantir um processo justo a todas as pessoas. O instituto trabalha para que cidadãos, independentemente de origem social, raça ou classe, tenham direito à ampla defesa frente ao poder punitivo do Estado. O IDDD acredita que respeitar o direito de defesa é respeitar o ser humano. Por isso, quer contribuir para o estabelecimento contínuo de parâmetros e limites para os poderes, o que inclui a discricionariedade que está na base da seleção de suspeitos criminais nas ruas.

Sobre o data_labe

O data_labe é uma organização social com sede no conjunto de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, que atua desde 2016 em ações de comunicação, pesquisa e incidência política, com foco na Geração Cidadã de Dados. O laboratório parte do entendimento de que não existe neutralidade científica nos processos que envolvem a geração, a análise, o cruzamento e a publicação de dados, por isso há a necessidade de disputar a diversidade dos atores envolvidos nesses processos. A equipe é formada por profissionais de estatística, de jornalismo, de gestão, de design e de pesquisa, com origem em territórios populares e periferias, em sua maioria pessoas jovens, negras e LGBTQIA+. Nos últimos seis anos, o data_labe vem desenvolvendo reportagens, pesquisas, mapeamentos, consultorias, relatórios analíticos, oficinas, campanhas e eventos que levam em conta as potências e complexidades dos territórios populares e de seus moradores.

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