O DOBRO DE UM É MUITO POUCO

Dois anos depois do assassinato de Marielle Franco, a cidade do Rio de Janeiro elege apenas duas vereadoras pretas.

reportagem: Gabriele Roza   
edição: Fred DiGiacomo 
arte: Giulia Santos e  Nicolas Noel
dados: Eloi Leones,  Paulo Mota e  Samantha Reis  

Representatividade de mulheres negras e pessoas de favela na Câmara do Rio aumentou, mas ainda é baixa depois do assassinato político que marcou o país e o mundo. 75% do vereadores são brancos, na segunda cidade mais preta do Brasil.

A primeira eleição depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, mulher preta e moradora da Maré, poderia ter sido mais representativa para mulheres negras e faveladas do Rio de Janeiro. O espírito que tomou as ruas depois do dia 14 de março de 2018; as milhares de mulheres negras que ”viraram sementes” e se disponibilizaram a expandir suas lutas nas urnas; e o ”ano antirracista” que vivemos poderiam fazer qualquer um crer que o número de vereadoras negras e pessoas de periferia na legislatura 2021-2024 aumentaria consideravelmente. Mas isso não aconteceu. 

Das 51 pessoas eleitas para Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2020, duas se autodeclararam mulheres pretas. Apenas Marielle se declarou preta na legislatura anterior, e duas se declararam pardas, uma delas Tânia Bastos (Republicanos) que renovou a candidatura e foi a única a se declarar parda em 2016. 

As quatro vereadoras autodeclaradas negras (pretas + pardas) a assumirem em 2021.

”O mandato de uma mulher negra, favelada e periférica precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto com quem está fazendo, para nos fortalecer naquele local onde a gente objetivamente não se reconhece, não se encontra, não se vê, a negação é o que eles apresentam como nosso perfil’’, disse Marielle Franco horas antes de ser assassinada no seu último evento chamado ‘‘Jovens negras movendo as estruturas’’. A situação não vai mudar tanto assim para as quatro vereadoras negras eleitas, Tainá de Paula (PT) e Thais Ferreira (Psol), autodeclaradas pretas, Tânia Bastos (Republicanos) e Laura Carneiro (Democratas),  autodeclaradas pardas, que está indo para o quarto mandato não consecutivo como vereadora. As mulheres negras, a soma entre pretas e pardas, são 28% da população do Rio, mas serão 7,8% na Câmara.

PSOL, Republicanos e Democratas foram os partidos que mais elegeram vereadores, cada um deles elegeu sete, e o PT elegeu três. Mas o próprio partido de Marielle Franco, PSOL, não colaborou tanto com as candidaturas de mulheres negras no Rio. Candidata a deputada estadual em 2018, Thais Ferreira teve mais de 24 mil votos e ficou na primeira suplência do PSOL no estado. Entretanto, a única mulher negra eleita vereadora depois do assassinato da Marielle pelo partido da Marielle ficou sem verba do fundo partidário. ”E a real, papo reto mesmo, é que a executiva municipal do meu partido vai me destinar um total de 0 reais utilizáveis, sem justificativa formal”’, disse Thais em uma publicação no Facebook.

Favela na Câmara


Conseguir chegar na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro também não é fácil para moradores de favelas.  O data_labe fez um levantamento das regiões de origem, habitação ou atuação dos vereadores eleitos em 2020 e, infelizmente, a favela não vai estar proporcionalmente representada na próxima legislatura. 

Buscamos informações sobre o território dos eleitos nos dados do TSE, nos sites e redes sociais e em matérias jornalísticas. Dos 51 vereadores eleitos, encontramos apenas duas que mencionaram ser de favelas do Rio. Uma delas, Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, que informou ser cria da Maré, e outra, Tainá de Paula (PT), que morou na  Comunidade do Loteamento (Praça Seca) até 2012. De acordo com o último Censo do IBGE, 1,4 milhões de pessoas residiam em favelas no município do Rio, 22% da população carioca, cidade brasileira onde há mais pessoas vivendo em favelas. 

Outros candidatos declararam ser de bairros da Zona Norte e Zona Oeste, subúrbio do Rio de Janeiro, como Thais Ferreira, de Vaz Lobo, bairro situado na Zona Norte, e Celso Costa (Republicanos) que é de Costa Barros, bairro da Zona Norte que agrupa favelas como Lagartixa, Pedreira, Final Feliz, Terra Nostra, Tom Jobim. Não encontramos informações sobre o local de origem ou habitação de sete eleitos. 

Mulheres brancas e homens negros também seguem subrepresentados

Em 2021, a representação feminina vai passar de sete para dez vereadores, seis delas brancas. Em partidos da esquerda, as mulheres têm uma participação menos pior do que em outros posicionamentos de forma proporcional, sendo 36,4% das eleitas. Enquanto que na direita e no centro, a participação de candidatas femininas foi de aproximadamente 15%. Na próxima legislatura, as vereadoras brancas serão: Rosa Fernandes (PSC), Mônica Benício (PSOL), Teresa Bergher (Cidadania), Vera Lins (PP), Verônica Costa (DEM), Luciana Novaes (PT).

As seis vereadoras autodeclaradas brancas a assumirem em 2021.

Entre os eleitos, 75% são brancos e brancas. O centro alcançou o melhor equilíbrio entre brancos e negros, foram três pardos e três brancos eleitos. A esquerda elegeu nove brancos e dois pretos. Já a direita elegeu seis pardos e dois pretos. Das 51 cadeiras, 9 serão ocupadas por eleitos que declararam ser homens negros.  São eles, na ordem que aparecem na montagem abaixo: Gabriel Monteiro (PSD), Waldir Brazão (Avante), Jones Moura (PSD), Zico (Republicanos), João Mendes de Jesus (Republicanos), Márcio Santos de Araújo (PTB), Rocal (PSD), Pedro Duarte (Novo) e Luiz Carlos Ramos Filho (PMN).

Os nove vereadores autodeclarados pretos ou pardos a assumirem em 2021.

A Câmara vai estar mais representativa para mulheres e pessoas negras, mas não o suficiente. Mulheres são 50% da população carioca e pessoas negras são 46%. As mulheres negras, que são maioria entre os dois grupos, seguem ainda mais sub-representadas. Dois anos depois do assassinato político que marcou o Brasil e o mundo, os partidos políticos e a sociedade carioca escolheram manter as estruturas que impedem mulheres negras de decidirem o futuro da cidade. Cabe apenas a duas mulheres pretas e periféricas, Tainá de Paula (PT) e Thais Ferreira (Psol), dar continuidade ao legado de Marielle Franco nos próximos quatro anos.

reportagem: Gabriele Roza   
edição: Fred DiGiacomo 
arte: Giulia Santos e  Nicolas Noel
dados: Eloi Leones,  Paulo Mota e  Samantha Reis  

Representatividade de mulheres negras e pessoas de favela na Câmara do Rio aumentou, mas ainda é baixa depois do assassinato político que marcou o país e o mundo. 75% do vereadores são brancos, na segunda cidade mais preta do Brasil.

A primeira eleição depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, mulher preta e moradora da Maré, poderia ter sido mais representativa para mulheres negras e faveladas do Rio de Janeiro. O espírito que tomou as ruas depois do dia 14 de março de 2018; as milhares de mulheres negras que ”viraram sementes” e se disponibilizaram a expandir suas lutas nas urnas; e o ”ano antirracista” que vivemos poderiam fazer qualquer um crer que o número de vereadoras negras e pessoas de periferia na legislatura 2021-2024 aumentaria consideravelmente. Mas isso não aconteceu. 

Das 51 pessoas eleitas para Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2020, duas se autodeclararam mulheres pretas. Apenas Marielle se declarou preta na legislatura anterior, e duas se declararam pardas, uma delas Tânia Bastos (Republicanos) que renovou a candidatura e foi a única a se declarar parda em 2016. 

As quatro vereadoras autodeclaradas negras (pretas + pardas) a assumirem em 2021.

”O mandato de uma mulher negra, favelada e periférica precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto com quem está fazendo, para nos fortalecer naquele local onde a gente objetivamente não se reconhece, não se encontra, não se vê, a negação é o que eles apresentam como nosso perfil’’, disse Marielle Franco horas antes de ser assassinada no seu último evento chamado ‘‘Jovens negras movendo as estruturas’’. A situação não vai mudar tanto assim para as quatro vereadoras negras eleitas, Tainá de Paula (PT) e Thais Ferreira (Psol), autodeclaradas pretas, Tânia Bastos (Republicanos) e Laura Carneiro (Democratas),  autodeclaradas pardas, que está indo para o quarto mandato não consecutivo como vereadora. As mulheres negras, a soma entre pretas e pardas, são 28% da população do Rio, mas serão 7,8% na Câmara.

PSOL, Republicanos e Democratas foram os partidos que mais elegeram vereadores, cada um deles elegeu sete, e o PT elegeu três. Mas o próprio partido de Marielle Franco, PSOL, não colaborou tanto com as candidaturas de mulheres negras no Rio. Candidata a deputada estadual em 2018, Thais Ferreira teve mais de 24 mil votos e ficou na primeira suplência do PSOL no estado. Entretanto, a única mulher negra eleita vereadora depois do assassinato da Marielle pelo partido da Marielle ficou sem verba do fundo partidário. ”E a real, papo reto mesmo, é que a executiva municipal do meu partido vai me destinar um total de 0 reais utilizáveis, sem justificativa formal”’, disse Thais em uma publicação no Facebook.

Favela na Câmara


Conseguir chegar na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro também não é fácil para moradores de favelas.  O data_labe fez um levantamento das regiões de origem, habitação ou atuação dos vereadores eleitos em 2020 e, infelizmente, a favela não vai estar proporcionalmente representada na próxima legislatura. 

Buscamos informações sobre o território dos eleitos nos dados do TSE, nos sites e redes sociais e em matérias jornalísticas. Dos 51 vereadores eleitos, encontramos apenas duas que mencionaram ser de favelas do Rio. Uma delas, Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, que informou ser cria da Maré, e outra, Tainá de Paula (PT), que morou na  Comunidade do Loteamento (Praça Seca) até 2012. De acordo com o último Censo do IBGE, 1,4 milhões de pessoas residiam em favelas no município do Rio, 22% da população carioca, cidade brasileira onde há mais pessoas vivendo em favelas. 

Outros candidatos declararam ser de bairros da Zona Norte e Zona Oeste, subúrbio do Rio de Janeiro, como Thais Ferreira, de Vaz Lobo, bairro situado na Zona Norte, e Celso Costa (Republicanos) que é de Costa Barros, bairro da Zona Norte que agrupa favelas como Lagartixa, Pedreira, Final Feliz, Terra Nostra, Tom Jobim. Não encontramos informações sobre o local de origem ou habitação de sete eleitos. 

Mulheres brancas e homens negros também seguem subrepresentados

Em 2021, a representação feminina vai passar de sete para dez vereadores, seis delas brancas. Em partidos da esquerda, as mulheres têm uma participação menos pior do que em outros posicionamentos de forma proporcional, sendo 36,4% das eleitas. Enquanto que na direita e no centro, a participação de candidatas femininas foi de aproximadamente 15%. Na próxima legislatura, as vereadoras brancas serão: Rosa Fernandes (PSC), Mônica Benício (PSOL), Teresa Bergher (Cidadania), Vera Lins (PP), Verônica Costa (DEM), Luciana Novaes (PT).

As seis vereadoras autodeclaradas brancas a assumirem em 2021.

Entre os eleitos, 75% são brancos e brancas. O centro alcançou o melhor equilíbrio entre brancos e negros, foram três pardos e três brancos eleitos. A esquerda elegeu nove brancos e dois pretos. Já a direita elegeu seis pardos e dois pretos. Das 51 cadeiras, 9 serão ocupadas por eleitos que declararam ser homens negros.  São eles, na ordem que aparecem na montagem abaixo: Gabriel Monteiro (PSD), Waldir Brazão (Avante), Jones Moura (PSD), Zico (Republicanos), João Mendes de Jesus (Republicanos), Márcio Santos de Araújo (PTB), Rocal (PSD), Pedro Duarte (Novo) e Luiz Carlos Ramos Filho (PMN).

Os nove vereadores autodeclarados pretos ou pardos a assumirem em 2021.

A Câmara vai estar mais representativa para mulheres e pessoas negras, mas não o suficiente. Mulheres são 50% da população carioca e pessoas negras são 46%. As mulheres negras, que são maioria entre os dois grupos, seguem ainda mais sub-representadas. Dois anos depois do assassinato político que marcou o Brasil e o mundo, os partidos políticos e a sociedade carioca escolheram manter as estruturas que impedem mulheres negras de decidirem o futuro da cidade. Cabe apenas a duas mulheres pretas e periféricas, Tainá de Paula (PT) e Thais Ferreira (Psol), dar continuidade ao legado de Marielle Franco nos próximos quatro anos.

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