MARÉ ANGOLANA

Entre preconceitos e retirada de direitos, angolanos construíram vidas e marcaram gerações na Maré

Reportagem: Jéssica Pires e Juliana Sá
Colaboração: Pedro Lira e Thiago Ansel
Arte: Ana Clara Tito
Foto: Bira Carvalho e Jéssica Pires

Subemprego, racismo e xenofobia marcam a trajetória de pessoas que chegaram na Maré refugiados da guerra civil até a nova geração de jovens que buscam ensino superior e melhores condições de vida no Rio de Janeiro. 

Na Maré vivemos cercados por angolanos e angolanas. Trançadeiras, comerciantes, donas de bar, estudantes. Às vezes, até pensamos que são crias e de repente vem aquele sotaque gostoso de quem veio do outro lado do oceano. Tão parecidos conosco e tão desconhecidos por nós. O distanciamento fazia com que não soubéssemos nada sobre eles além de que eram muitos aqui na Maré, desde muito tempo. O pouco que chegava até nós eram as fofocas: um povo fechado, que não confia muito em brasileiros, ligados ao tráfico de drogas, perigosos. Impressões que permeiam o imaginário da Maré por um único motivo, o preconceito.

Bira é nosso amigo fotógrafo. Nasceu e sempre morou aqui na Maré. Nos contou que em meados da década de 1990 começou a perceber o movimento de chegada dos angolanos, o que despertou sua curiosidade. Passou então a frequentar os jogos de futebol da comunidade aos fins de semana para fotografá-los. Depois de sete anos na espreita foi convidado para fazer a cobertura fotográfica de um jogo deles no Aterro do Flamengo. Segundo Bira, depois daquele dia “virou família”. Mais do que isso, a aproximação fez com que ele se entendesse parte da mesma origem. “Eu me senti tão protegido! Me dei conta que eles eram fundamentais para eu entender a minha história de colonização, é um encontro de histórias.”

Na tentativa de pensar esses encontros e desconstruir preconceitos, fomos atrás de conhecer um povo tão fundamental para a formação do nosso próprio país e do nosso povo – do qual os angolanos mareenses também fazem parte.

Desde o início da colonização portuguesa até 1850 – ano da proibição do tráfico negreiro – aproximadamente 5,5 milhões de pessoas foram embarcadas em África com destino a escravidão no Brasil, segundo a Trans-Atlantic Slave Trade Voyages, uma iniciativa internacional de coleta de dados sobre viagens de navios negreiros, com sede na Universidade Emory, na Geórgia, Estados Unidos.

Para entender melhor nosso processo de busca por dados, leia aqui o texto da Juliana Marques.

Um pedaço de Angola na Maré

O ponto de partida escolhido para nossa aproximação foi o Bar da Lica. Chegar até Guilhermina dos Santos, 45, foi fácil. Ela está em jornais, notícias e presente no reconhecimento de pessoas da Maré, bairro em que mora há 25 anos. Nossos encontros sempre aconteceram no seu estabelecimento, que fica na B3, na Vila do Pinheiro.

O local é um dos principais pontos de encontro dos angolanos que moram nesta favela e é um dos motivos que tornou Lica bastante conhecida. Por isso, a pé ou de moto-táxi, não te deixam errar o caminho. Atravessamos a Maré várias vezes, durante três meses, para conhecê-la, papear, pedir repetidamente seu peixe assado na brasa com banana da terra – o mufete e seu caldo de feijão que cura qualquer ressaca.

O Bar é aconchegante, pequeno e movimentado, frequentado o tempo todo por angolanos de todas as idades. Com poucas mesas e cadeiras, exibe orgulhoso a bandeira de Angola e desenhos do país pintados nas paredes, além do cardápio de comidas típicas, bem familiar ao nosso paladar brasileiro. Estar lá é ter cada vez mais a certeza do quanto somos misturados. Aos sábados os angolanos se reúnem ali para comer o peixe assado, relaxar e se encontrar antes dos jogos de futebol que acontecem sempre aos fins de semana.

Lica é uma mulher de presença forte e de olhar atento. Foi uma das primeiras angolanas a se estabelecer aqui. Muito receptiva e doce, é também analítica. À medida que percebe certa confiança, vai se entregando aos poucos. Por ser uma figura de referência, já cedeu várias entrevistas e não tem a melhor impressão sobre jornalistas. Nela percebemos uma primeira característica comum a vários angolanos: a recusa de uma relação de interesses, sem afeto. Quando entendemos essa dinâmica, a impressão de uma comunidade fechada foi se transformando e passamos a conquistar certo espaço e criar laços com nossos personagens.

Foto: Eloi Leones

Ela contou que desembarcou no Brasil em 1992 a mando do marido. Chegou com dois filhos fugindo da guerra civil de Angola. O plano A era partir daqui para Londres o mais rápido que pudesse. No entanto, ela permaneceu durante os primeiros cinco anos em Copacabana. O alto custo do bairro da Zona Sul  tornou-se inviável e Lica mudou-se para a Vila do Pinheiro, uma das 16 favelas do Complexo da Maré, na Zona Norte.

A favela também tinha um pouco de Angola, como nos contou Lica. “Havia um angolano comandando um bar aqui com música angolana, da terra. Acabou sendo o lugar de encontro. Quando chegava final de semana a gente se aproximava da nossa cultura, então as pessoas que moravam em outros lugares vinham para cá e passaram a morar aqui. Quem não quer ficar perto da música da sua terra? Um vem e puxa o outro”.

Lica percebeu que as semelhanças entre seu país e a Maré não ficavam apenas na música. “Aqui tem comunidade, pessoas para conversar, gente na rua. Lá em Angola também é assim, cumprimentamos todo mundo”, explica. “Lá em Copacabana é cada um por si e Deus por todos. As pessoas ficam isoladas. Você não conhece os vizinhos”, critica.

Brasil: o sonho de morar nas novelas

Lica diz que foi para Copacabana antes da Maré pela ideia que tinha do país construída a partir das telenovelas brasileiras “Nós angolanos somos muito fanáticos por novelas daqui. A gente foi se empolgando e nos deixando levar por aquilo. A que mais fez sucesso pra mim foi O Bem Amado, que passou quando eu tinha 7 anos. Mas teve Carga Pesada, Vereda Tropical e Roque Santeiro com a viúva  Porcina que deu muito show”, relembra.

A mestre em Literatura e pesquisadora dos movimentos migratórios entre Angola e Brasil, Miriane Peregrino, aponta que a maioria dos angolanos que chegou na década de 1990 veio para o Rio esperando encontrar a cidade que as novelas brasileiras mostravam. “A maioria tem um encantamento pelo Rio de Janeiro por causa da imagem que se vende internacionalmente. Quando você entrevista um angolano descobre que muitos queriam primeiro ir para Copacabana”.

Na busca por entender mais sobre essa ideia do Brasil, conhecemos uma dupla de amigos, Ignácio, 40, e Tavares, 43, que nos relataram impressões parecidas. Os dois, que chegaram em meados dos anos 2000, são uma dupla falante, muito dispostos a contar sobre as suas vivências. Ao contrário de Lica, não apresentaram nenhum tipo de resistência à nossa aproximação. Batemos um longo papo no quiosque que Tavares aluga e vende bebidas na Praça da Nova Holanda.

Foto: Bira Carvalho

Ignácio chama atenção para características que arrancaram dele a ideia de Brasil da televisão em sua primeira vinda em 2003. “Lembro que muito me chamou a atenção logo na chegada a quantidade de fios embolados nos postes das favelas”, conta apontando para os emaranhados tão comuns nas ruas da Maré. “Aí eu entendi que não era como eu via na novela”. O contraste assustou o angolano, que voltou abalado para Angola, onde ficou por seis meses até decidir  viver de forma permanente no Brasil, já testemunhado com seus próprios olhos.

Para Tavares, os reflexos do racismo estrutural da sociedade brasileira já podiam ser percebidos ainda na Angola pela Televisão. “Eu via as novelas brasileiras e pensava: onde estão os negros? Por que nas novelas eles só são empregados ou escravos? Sabia que tinha alguma coisa errada ali”, lembra.

Apesar de ter familiares que já descreviam para ele a Maré, ainda possuía um imaginário sobre o Rio de Janeiro ancorado nas tramas que se passavam no calçadão de Copacabana. “Minha tia já me contava sobre as favelas, como era tudo. Mas quando eu saí do aeroporto, vi a Avenida Brasil, encontrei os angolanos sofrendo, dormindo no chão, percebi que era realmente muito diferente do que eu via na TV. Eu ainda achava que ia encontrar uma cidade parecida com a das novelas”.

Racismo à brasileira

Ignácio também aponta a discriminação nada sutil no país. “Outro dia fui levar um angolano recém-chegado ao Rio Sul para conhecer o shopping. Quando estávamos olhando as roupas, o vendedor trancou a loja com medo que fôssemos ladrões”. Ele também nos contou como o racismo do Estado afeta os hábitos angolanos. “Na Angola nós temos o costume de andar em grupos na rua. Sempre passeamos em no mínimo quatro ou cinco pessoas. Aqui no Brasil percebemos que sempre que negros andam em grupos a polícia aborda achando que somos criminosos. Negros aqui têm que andar em pouco número, e acompanhados de brancos ou pardos”, constata.

É um consenso entre os angolanos e angolanas com os quais conversamos que o racismo é um problema em suas trajetórias no Brasil. O fato de terem vindo de um país em que 97% da população é negra faz com que os imigrantes angolanos tenham que lidar com o racismo de uma perspectiva nova ao chegarem aqui.

Miriane Peregrino ainda acrescenta que, além do racismo, esses imigrantes têm que lidar com a xenofobia em seu cotidiano. “São negros, então também estão sofrendo preconceito por isso. Ser negro, imigrante e vir morar em uma favela – são várias marcas que colocam as dificuldades que eles enfrentaram e enfrentam nesse processo imigratório”. A discriminação e a xenofobia ficam mais evidentes em situações como, por exemplo, a disputa por vagas de emprego no novo país.

Foto: Jéssica Pires

Para Nadja Domingos, 28, estudante de Ciências Sociais da UERJ, que chegou com apenas quatro anos ao Brasil e desde então vive no país, a xenofobia e o racismo são apontados e pertinentes até hoje. “A gente consegue perceber isso ao ver que gringo é o branco, o europeu, a estadunidense. O angolano não é gringo, o haitiano não é gringo. Ás vezes, eu falo para os meus amigos que ‘sou gringa’. Fico batendo nessa tecla ainda mais porque eles são de Ciências Sociais. Quando falei isso, alguém comentou: angolano não é gringo, porque é preto”.

Subemprego e xenofobia: pobre, preto, morador da maré e Angolano

Durante uma das entrevistas no Bar da Lica, um angolano frequentador que preferiu não se identificar, argumentou que, além da discriminação racial, conta muito ser estrangeiro na dificuldade de conseguir um emprego. “É mais difícil ainda do que para o brasileiro. Ainda mais se for preto, pobre e morar na Maré. Trabalho tem, mas emprego não. Lavar prato, quebrar um tijolo, pintar parede. Para preto, pobre, estrangeiro e morador da Maré é como você quebrar uma rocha por dia”, desabafou.  

Essas declarações vão ao encontro de dados do Ministério do Trabalho coletados em 2014. Nós fizemos um levantamento que aponta a existência de apenas 593 angolanos com contratos formais de trabalho no Brasil inteiro. A discrepância salarial entre brancos e negros neste grupo chega a ser de R$3.500.

Na Angola, a situação de emprego também é precária. Em 2014, a taxa de desemprego entre jovens de 15 a 24 anos era de 17%. No Brasil, o número marcava 15,8%, uma diferença bem pequena em comparação a década de 90, onde o contexto gerou grande fluxo migratório. Como vemos no gráfico abaixo, em 1991 mais da metade da população Angolana estava sem emprego. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada para garantir a comparabilidade entre países.

Aqui no Brasil, Nadja disse não ter sido recusada para uma vaga explicitamente por ser angolana, mas chegou a tirar a nacionalidade do currículo pela falta de retorno das empresas. “Tem gente que fala ‘angolano não. Angolano é 171. Não vou contratar’. Nunca senti isso pessoalmente, mas já enviei muito currículo e não consegui trabalho. Teve uma época que cheguei a pensar sobre e tirei o angolana do meu currículo. Comecei a trabalhar depois por indicação em uma autorizada”, lembra.

Para Rosita Milesi, diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), são muitas as dificuldades para angolanos conseguirem um trabalho no Brasil. “Uma forte questão é a desinformação por parte dos empregadores, que muitas vezes desconhecem que refugiados têm direito a trabalhar no Brasil, e não valorizam a experiência profissional em outros países”, explica. “Além disso, a falta de domínio da língua portuguesa e a dificuldade para revalidação de diplomas e títulos também corroboram para o desemprego.”

Um Brasil de oportunidades

Peregrino explica que a localização da Maré é estratégica para os angolanos por causa da tradição da Mucunza, “um tipo de mercado ambulante de compra para revenda lá em Angola. Era muito mais fácil ficar aqui na Maré, mais perto do aeroporto”. A concentração de imigrantes no Complexo é devido, também, a proximidade do aeroporto Galeão, onde até os anos 1990 havia um voo semanal Angola – Brasil. Na década seguinte, as ofertas de voo de Luanda para o Rio aumentaram para cinco vezes por semana.

Esse período de maior imigração aliada a visão estratégica comercial dos angolanos colaborou para o estabelecimento da comunidade no Complexo da Maré e de uma rede de apoio para os imigrantes na década de 1990. Peregrino lembra que durante sua pesquisa de campo muitos relataram conhecer pelo menos um familiar ou amigo que já estava no Brasil antes da vinda. “É um projeto de imigração coletiva. Só existe essa comunidade angolana aqui na Maré porque quando muitos vieram já havia uma rede de solidariedade e colaboração muito forte”, explica.

A partir dos anos 1990, a intensificação da guerra contribuiu decisivamente na mudança do perfil racial dos imigrantes angolanos no Brasil. Do pós-independência até o fim dos anos 1980, os que moravam no Rio e São Paulo eram em sua maioria brancos e descendentes de portugueses, 89,8% e 85% respectivamente, de acordo com a análise da pesquisa Condições de Vida da População Refugiada no Brasil (CVPR), feita pelo Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (NEPO/Unicamp) no ano de 2007.

Em 2000, os negros já eram maioria. No Rio de Janeiro, um total de 84,7% dos que conseguiam o registro nacional de estrangeiros (RNE). Em São Paulo, 91,4% dos conseguiam o mesmo registro.

Nesta época, a população de homens jovens e pobres que deixava o país africano aumentou. Este grupo fugia das rusgas, uma perseguição de policiais pelas ruas da Angola para alistar a força jovens em idade de recrutamento militar. Parte destes garotos partiu para o Brasil em busca de melhores condições de vida, mas sobretudo evitando o perigo de uma guerra com a qual não se identificavam.

A boa relação diplomática entre os países traduzida em acordos bilaterais de cooperação econômica, científica e técnica, estabelecidos após a independência angolana, e a condição oficial de refugiados, acabaram facilitando a entrada deles em terras brasileiras. Segundo Larissa Getirana, da Cáritas-RJ, na década de 1990, 40% dos refugiados no Brasil eram angolanos.

“Entre o final da guerra até a cláusula de cessação, o ACNUR tentava a repatriação: dava o valor da passagem para eles retornarem para Angola e uma quantia simbólica para reconstruírem a vida, que, salvo engano, era de cem dólares. A maioria dos angolanos do Rio de janeiro preferiu não retornar até porque já viviam aqui há muitos anos”, explica.

Após o término da guerra civil e o fim do reconhecimento imediato da condição de refugiados em solo brasileiro, o perfil dos imigrantes vindos de Angola muda mais uma vez. Hoje os imigrantes angolanos no Brasil são predominantemente estudantes em busca de qualificação acadêmica e profissional. O fim do conflito iniciado em 1975 mostra que a emigração em Angola não teve só a guerra como motivação, mas também uma tradição cultural de várias gerações. Sair do país em busca de melhores condições de vida é, principalmente entre os jovens, uma espécie de ritual de exercício do direito à liberdade.

Os planos para o futuro

Com o fim da guerra civil em Angola, em 2002, a rede de colaboração, formada por parentes e amigos, tornou-se fundamental para que uma nova geração de angolanos chegasse ao Rio de Janeiro e a Maré. Este período é também marcado por uma aproximação maior do governo brasileiro com o angolano. Foram 16 novos acordos bilaterais entre Brasil e países africanos, incluindo Angola. Além de mudanças no Programa de Estudantes – Convênio de Graduação (PEC-G), que oferece oportunidades de formação superior a cidadãos de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais, estimulando a entrada de estudantes estrangeiros no país – principalmente africanos.

A jovem angolana Lorena*, que decidiu se mudar para o Brasil motivada pela maior possibilidade de acesso à universidade, é parte da nova geração de imigrantes. “O número de universidades é muito maior e existem sistemas como FIES e PROUNI”, comenta a estudante, que chegou a ser aprovada na UERJ em 2016. Lorena se preparou no pré-vestibular comunitário do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) e sonha cursar Medicina. Lorena é uma dos quase 1.700 angolanos, segundo Censo da Educação Superior do INEP, que estão no Brasil buscando um diploma que facilite a entrada no mercado de trabalho na volta ao país de origem ou por aqui.

Nadja, que hoje cursa Ciências Sociais na UERJ, revela muita vontade de aplicar o que aprende na faculdade em sua terra natal. “Eu penso em viver um tempo lá. Talvez possa fazer mestrado, pesquisar, estudar mais. Falar de algo do meu próprio país. Não defini, mas tenho vontade de ficar uns dois anos, conhecer melhor, poder cooperar de alguma forma”, planeja.

Depois de 24 anos no Brasil, em nosso primeiro contato, a jovem se preparava para visitar sua família em Angola – que conhecia apenas virtualmente – e era pura ansiedade. “Está todo mundo extasiado, falando ‘a gente tá te esperando. Estamos muito contentes’. Por parte de mãe, eu tenho cinco irmãos e um por parte de pai. Eu não conheço nenhum deles pessoalmente”, contou.

Nadja voltou a Angola no último dia 6 de maio e passou nove dias reencontrando parentes e raízes da sua cultura de origem. Foi com o apoio de uma professora de um pré-vestibular comunitário da Maré que Nadja pôde retornar e, aí sim, “re”-conhecer sua mãe biológica e parentes. “Pra mim foi maravilhoso poder conhecer o meu país. Quando cheguei era como se aquele fosse o meu lugar. Me senti em casa e mesmo que não tivesse nenhuma lembrança de Angola em minha mente era como se eu conhecesse. Agora mais do que nunca quero voltar a minha terra”.

Diferente de Nadja, Ignácio não pretende voltar a viver em Angola. Apesar de estar desempregado hoje, vivendo de bicos, acredita que as condições para se viver no Brasil são melhores. “Mesmo com todos os problemas, aqui é muito bom. A gente consegue estudar de graça. Se o brasileiro conhecesse a África daria mais valor para o que tem.”    

Já para Lica, que construiu uma trajetória empreendedora e ampliou sua família nesses 25 anos morando no Brasil, Angola permanece viva nos seus desejos de futuro. “Quero voltar para minha terra. Quero envelhecer perto da minha família, das minhas irmãs, dos meus tios”, planeja.

No fim de tudo, aprendemos muito sobre nossa condição de colonizados, sobre a construção do nosso país – sempre em andamento – sobre sonhos, ancestralidade e  luta. O que para nós antes era distante terminou em churrasco na Praça da Nova Holanda, no jogo entre Brasil e Costa Rica na copa do mundo, com Ignácio e Tavares. Amizades, afetos e o entendimento da complexidade das trajetórias humanas em busca de dignidade, de estratégias de sobrevivência e realização de desejos. Como disse Tavares, “nós, angolanos e vocês brasileiros somos iguais, amigos. Somos muito parecidos, a gente só quer amor.” O que era distante tornou-se reconhecimento da nossa própria história.  

*nome modificado a pedido da entrevistada

Participaram desta reportagem: Clara Sacco, Eloi Leones, Fernanda Távora, Gilberto Vieira, Juliana Marques.

Esta reportagem foi desenvolvida entre abril e junho de 2018, durante a primeira temporada de residências do data_labe com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

Dados

http://www.slavevoyages.org/voyages/X8WlQrXe

http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279346/1/Aydos_MarianaRecena_M.pdf

http://download.inep.gov.br/microdados/microdados_censo_superior_2016.zip

http://obmigra.mte.gov.br/index.php/component/k2/itemlist/category/51

http://obmigra.mte.gov.br/index.php/component/k2/itemlist/category/42

Referências

http://www.ine.gov.ao/xportal/xmain?xpid=ine&xpgid=generics_detail&generics_detail_qry=BOUI=770278&actualmenu=770272

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2016/Os-novos-refugiados-de-Angola

http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/4817-republica-de-angol

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2015/12/21/Qual-a-diferen%C3%A7a-entre-refugiado-asilado-e-migrante

http://portal.mec.gov.br/pec-g

http://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Cartilha-para-Solicitantes-de-Ref%C3%BAgio-no-Brasil_ACNUR-2015.pdf

http://www.acnur.org/portugues/2012/10/29/brasil-troca-refugio-de-angolanos-e-liberianos-por-residencia-permanente-no-pais/

http://www.acnur.org/portugues/2012/06/08/acnur-repatria-14-mil-angolanos-e-acelera-o-processo-de-retorno-de-refugiados/

http://reporterbrasil.org.br/documentos/17nov2014__factsheet.pdf

https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/14566/1/Artigo.pdf

http://www.justica.gov.br/news/brasil-tem-aumento-de-12-no-numero-de-refugiados-em-2016/20062017_refugio-em-numeros-2010-2016.pdf

https://acervo.publico.pt/mundo/noticia/-angola-o-grande-produtor-de-escravos-1729882

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