Reportagem: Edilana Damasceno Arte: Nícolas Noel Edição: Fred DiGiacomo
Crianças com seu processo de alfabetização atrasado, pais que precisam trabalhar e não têm com quem deixar seus filhos, e professores que não se adaptam ao ensino remoto: fatores como esses levaram as autoridades a retomar as aulas presenciais na rede municipal no fim de fevereiro, desde que as unidades se adequassem a uma lista de requisitos, como reduzir a quantidade de alunos por turma e instalar dispositivos de álcool em gel. As consequências da covid-19, no entanto, não se restringem apenas a adaptações na estrutura física.
Ao falar da pandemia, é necessário entender que seus efeitos chegam com mais força em lugares específicos, e as favelas estão entre eles. Segundo dados do Painel Unificador da Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, são mais de 34 mil casos da doença, ultrapassando os 3.600 óbitos confirmados. O Complexo da Maré lidera o ranking, com cerca de 3.300 casos e mais de 170 mortos.
A professora Aline (nome fictício) conhece de perto esses números. Ela perdeu a esposa para a covid-19. Aline conta que sua companheira, também professora, não fazia parte do grupo de risco. Hoje, ela tenta, com dificuldades, reconstruir sua vida: “Jamais vou superar o fato de ter perdido o grande amor da minha existência”.
A professora também ficou internada em decorrência da infecção e, psicologicamente abalada, teme se contaminar novamente quando voltar a dar aulas presenciais: “Não estou voltando por vontade própria, mas sim, porque a sociedade não aprendeu nada com esse vírus”.
Antes da suspensão das aulas de 26 de março até 4 de abril, as escolas municipais retomaram o ensino presencial de forma gradual. Na Maré, as unidades começaram a reabrir em 24 de fevereiro. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, até a primeira quinzena de março, 271 unidades cariocas já recebiam alunos, sendo quatro delas na Maré.
“Os professores estão com medo, pois alguns vivem com pais, filhos e outros familiares também com medo e, ao mesmo tempo, eu sinto que a maioria dos professores não está bem psicologicamente com essas aulas online”
Juliana Cantinin, professora
Sem estrutura para retorno
A falta de estrutura nas unidades da Maré dificultou ainda mais a adequação aos protocolos de segurança da Prefeitura. É o caso da Escola Municipal Helio Smidt, onde trabalha Juliana Cantinin, de 28 anos. A professora de música conta que a unidade não possui as condições sanitárias necessárias para o retorno às aulas presenciais. “A gente está lutando separado, porque eu não tenho direcionamento de cima”, desabafa.
Cria do Complexo do Alemão, Juliana acrescenta que a falta de políticas públicas que deveriam ter sido implantadas no início da pandemia afeta professores, alunos e seus pais. Segundo a professora, há várias perspectivas de um só problema: “Os professores estão com medo, pois alguns vivem com pais, filhos e outros familiares também com medo e, ao mesmo tempo, eu sinto que a maioria dos professores não está bem psicologicamente com essas aulas online”. Além disso, há o sofrimento das famílias de alunos: “Os pais estão desesperados. Eles estavam sendo obrigados a trabalhar presencialmente e era a escola que ficava com seus filhos.”
Os temores dos profissionais da educação e das famílias não são infundados: entre 24 de fevereiro e 9 de março, foram confirmados 56 casos de covid-19 nas 120 escolas que já haviam retomado as aulas presenciais. De acordo com o aplicativo Alerta Covid RJ, que reúne as notificações de contaminação da comunidade escolar, 33 registros são de profissionais na educação e os outros 23, de estudantes. Como as favelas da Maré são territórios ainda mais vulneráveis, onde faltou assistência social do Estado durante a pandemia, a reabertura das escolas torna a situação ainda mais grave.
A Secretaria Municipal de Educação nos informou por e-mail que “o retorno é optativo para os alunos, e cabe aos responsáveis pelo estudante a escolha quanto ao retorno às aulas presenciais, quando estes forem menores de 18 anos. E os professores que tiverem comorbidades não atuarão nas escolas, mas, sim, no modo remoto”.