POR QUE TEM TANTO LIXO NAS RUAS DA MARÉ?

Falta de ações coordenadas faz com que os problemas com os resíduos sólidos continuem sendo uma das principais reclamações sobre saneamento na Maré.

“Não deixar ninguém para trás?” O lema ressoado pelas organizações internacionais, como a ONU, e também por aparatos governamentais do Rio de Janeiro se torna questionável ao se pensar na situação do saneamento básico nas favelas e periferias cariocas. Análises de dados coletados de forma cidadã nos territórios unidos a levantamentos sobre o Diário Oficial do Rio de Janeiro indicam disparidades no acesso ao saneamento básico entre as favelas e o asfalto. 

A falta de políticas públicas pensadas especificamente para favelas faz com que os moradores dessas comunidades enfrentem empecilhos na manutenção de uma vida saudável e segura. Segundo dados do Censo Maré, realizado pela Redes de Desenvolvimento da Maré, há cerca de 140 mil habitantes no complexo; no entanto, ao passo que esse número segue aumentando, percebe-se que as intervenções do governo no território não acompanham o mesmo ritmo.

O Complexo da Maré é formado por 16 comunidades diferentes que abrigam cerca de 9% de toda a população residente em favelas do Rio de Janeiro. A maioria dos moradores relata que já teve problemas com saneamento básico, sendo o esgotamento sanitário, o recordista de reclamações na região. Os números são do Cocôzap, projeto do data_labe que monitora e gera dados sobre saneamento básico na Maré. Somente em 2021 foram registradas 223 queixas relacionadas à falta de infraestrutura de saneamento básico. Em primeiro lugar estão as queixas por esgoto, com 122 denúncias; em segundo, as reclamações relacionadas ao manejo de resíduos sólidos, com 72 registros; e em terceiro, problemas ligados a alagamentos, com 14 relatos. Os dados fazem jus a um relatório publicado no Diário Oficial do Rio de Janeiro, que aponta que, entre os serviços mais solicitados à prefeitura do Rio de Janeiro em 2021 através da Central 1746 de Atendimento ao Cidadão, estão a remoção de entulho e resíduos.

Uma andorinha só não faz verão

Quando se trata das articulações em saneamento básico no território, a luta dos moradores e lideranças locais se destaca. Nos anos 1970 foi eleita a primeira chapa de liderança comunitária na Maré através de eleições diretas e, a partir daí, a luta por direitos sanitários passou a ter mais força – e não parou até os dias de hoje. 

Além das lideranças locais na luta por uma qualidade melhor nos serviços ligados ao saneamento, a Maré conta com uma sub administração da Comlurb com o mesmo objetivo. Segundo Wanderson Evangelista, atual gerente da Comlurb da Maré, o complexo de favelas possui uma equipe suficiente de garis e equipamentos para o manejo de resíduos sólidos (basicamente, lixo e entulho), mas ressalta que deveria haver políticas públicas voltadas aos problemas estruturais do local.

Por mais que a Comlurb preste o serviço de coleta diariamente, a gente percebe que faltam ações governamentais que apoiem no que tange à educação ambiental. A gente faz a nossa parte para incidir na educação, mas a Maré é enorme, é preciso mais atores envolvidos”, afirma Wanderson, que atua na Comlurb há 25 anos.

Na contramão do esperado, a Prefeitura do Rio de Janeiro deixou de investir cerca de um milhão de reais do orçamento previsto na limpeza e manejo de resíduos sólidos em comunidades em situação de vulnerabilidade social em 2020. É o que consta na prestação de contas daquele ano, publicada em Diário Oficial. E quando se trata de investimentos na destinação sustentável do lixo, o número é ainda mais gritante: 29 milhões de reais deixaram de ser alocados para esse fim, mesmo com a disponibilidade orçamentária.

O Plano Municipal de Educação Ambiental da Cidade do Rio de Janeiro, definido pelo Decreto 48.159 de 2020, deveria garantir, entre outros, o “fortalecimento da educação ambiental nas comunidades e o incentivo à participação comunitária no reconhecimento dos seus direitos e deveres para a garantia do bem viver e o do exercício ativo da cidadania”. No entanto, percebe-se a ausência desse suporte governamental no território.

A educação ambiental é tida como uma demanda urgente na Maré, uma vez que essa auxiliaria na desnaturalização de problemas enfrentados pela maioria dos moradores, assim como reforçaria o papel dos cidadãos na manutenção de um ambiente mais saudável e adequado. Nesse sentido, Wanderson ressalta que há em voga ações da Comlurb que visam a transformação de locais de acúmulo de lixo em canteiros de jardim, mas afirma que uma política de educação ambiental contínua auxiliaria na manutenção desses espaços – e faria com que essas ações fossem multiplicadas.

Um caminho possível?

Lançado em maio deste ano, o programa “Favela com Dignidade” surge como uma iniciativa que busca levar serviços e garantir a cidadania aos moradores de territórios muitas vezes esquecidos pelas políticas públicas. O projeto é uma iniciativa da Secretaria Especial de Ação Comunitária e, junto à Prefeitura e demais órgãos municipais competentes, visa assegurar direitos essenciais a moradores de comunidades do Rio de Janeiro. Em nome do projeto, Carla Valladão ressalta que nos últimos seis meses, 53 favelas e comunidades em situação de vulnerabilidade social foram atendidas com serviços públicos, desde o saneamento à educação.

Entre as iniciativas do projeto, está o “Recicla Comunidade” que irá impulsionar a geração de renda aos catadores e auxiliar na reciclagem de resíduos sólidos dessas comunidades. O programa já começou a ser implantado em Manguinhos, na zona norte do Rio, e a expectativa é que seja reaplicado nas demais comunidades. Em nota, a Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC) ressaltou que “política pública tem que se fazer valer em todas as comunidades”. A gente tem que diminuir o número de pessoas vulneráveis. E para isso, temos que trabalhar juntos, unidos.  Dar voz e vez aos mais necessitados de serviços da Prefeitura”. 

Para a apuração desta reportagem, utilizamos a plataforma Querido Diário para consultar os diários oficiais que contivessem os termos “resíduos” e “resíduos sólidos” para o município do Rio de Janeiro, no período de 2016 a 2021. Foram encontrados 492 registros que atenderam à busca. Os 50 registros mais recentes foram lidos na íntegra pela equipe de dados e classificados em “nenhuma”, “baixa”, “média” e “alta” relevância. Querido Diário é uma iniciativa da Open Knowledge que usa tecnologia para tornar os conteúdos dos diários oficiais dos municípios brasileiros mais transparentes e acessíveis à população. As edições do D.O. do Rio de Janeiro utilizados nesta reportagem estão disponíveis para download nos seguintes links:

Essa reportagem foi produzida em parceria com Querido Diário e com o jornal Maré de Notícias.

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