PANDEMIA DA EDUCAÇÃO

Um ano de aula online durante a pandemia deixa estudantes e professores de escolas públicas e periféricas no limite da ansiedade e do sofrimento.
Reportagem: Gabriele Roza      Arte: Nicolas Noel       Edição: Fred DiGiacomo

 

Nos primeiros meses da pandemia de covid-19, quando as aulas presenciais pararam e os estudantes começaram a receber o conteúdo na internet, João Pedro da Silva, 16, pressionado e com medo de reprovar, se dedicou para entregar as atividades escolares no prazo. 

Só que em julho de 2020, a avó dele morreu de covid-19 e João passou a ter depressão e ansiedade. ”Eu fiquei sem estudar, acumulei muitas matérias, então eu passei noites em claro para botar as matérias em dia, mas  consegui entregar tudo”, contou o estudante.

Não lembro nada”

Com todo o esforço, João, que passou para o 2° Ano do Ensino Médio no Instituto de Educação Sarah Kubitschek, em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, ficou frustrado quando percebeu, em março deste ano, que não lembrava mais do que aprendeu no ano anterior. ”Quando começou esse ano a revisão das coisas de 2020, eu já não lembrava de nada, as matérias não se fixaram na minha mente”.

Giovanna Colin, 15, representante de turma com João, lembra que a maioria dos colegas se dedicaram no início, ”mas com o tempo foram largando de mão, deixando de fazer as coisas.  No final do ano, todos passaram. Outras nem baixaram o aplicativo, mas também passaram. Não gostei disso que a pessoa passa sem entender nada. Ano que vem é o terceiro ano, daqui a pouco a gente já tá se formando, com uma formação incompleta, sabe?”. 

No ano passado, a escola de Giovanna e João, administrada pelo governo do estado do Rio de Janeiro, utilizou o aplicativo Google Sala de Aula para passar o conteúdo aos alunos. Em 2021, estudantes da rede estadual do Rio, que começaram o ano letivo há um mês, acompanham as disciplinas pelo aplicativo Applique-se. Neste app, eles assistem vídeo aulas gravadas por outros professores. 

“São professores selecionados pelo estado para fazer esse vídeo para todo mundo. O que não é legal é que quando a gente usa o Applique-se não é a matéria dos nossos professores, não tem a didática, não é a mesma coisa”, lamenta João.  Giovanna explica que o formato dificulta a troca, ”se a gente tiver com dificuldade, em extrema urgência, a gente tem que mandar um e-mail, até professor responder, são vários alunos querendo falar também, é complicado”.

Para a professora e pesquisadora Pâmella Passos não é possível chamar as atuais aulas online de “ensino à distância”: “Interação remota é o nome, educação é muito mais [que isso], ensino é muito mais, isso que a gente está fazendo é interação”.

João e Giovanna mostram que não é por falta de esforço que eles acabam não aprendendo no contexto de pandemia, ”a gente tá tentando e não tá conseguindo, a gente faz por obrigação porque é nossa única saída. Mesmo não absorvendo conteúdo, a gente tá tentando fazer, estamos mandando os trabalhos como a gente sabe fazer. Eu tô com muita dificuldade em matemática, o trabalho chega, eu faço e depois eu não me lembro mais nada, dá muita ansiedade”, diz João Pedro. Já Giovanna está desconfiada que o saldo deste ano seja o mesmo do anterior: ”Tenho medo de acontecer o que aconteceu no ano passado, que é o cansaço mental, era muita coisa e ficava difícil de acompanhar”. 

A pesquisa “Educação, docência e a covid-19”, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, realizada com educadores da Rede Estadual de Educação de São Paulo, mostrou que medo, tristeza, insegurança, ansiedade, angústia e incerteza são os principais sentimentos associados à pandemia, somando 48,1% das respostas. Entre os docentes, 85% afirmaram ter a percepção de que os estudantes aprendem menos ou muito menos via educação mediada por tecnologia.

“Estou com muito medo de perder minha bolsa”


Infelizmente, a realidade dos estudantes de ensino básico durante a pandemia se repete no ensino superior. Ana Carolina da Hora, 25, estudante de engenharia da computação da PUC-Rio, conta que os grupos de estudo aumentaram por conta disso, ”eu tenho um grupo só das meninas negras da computação e a gente se ajuda o tempo inteiro. Em qualquer outra [universidade] que seja tão elitista como a PUC, aparece um deadline que só serve pro aluno que não faz nada em casa a não ser estudar”. 

Ana Carolina acredita que os professores acabam se sentindo mais sozinhos nas aulas por vídeo chamada, por isso pedem uma participação mais ativa dos alunos. ”Os professores estão querendo engajamento, mas estão entupindo a gente de informação e prazos apertadíssimos de várias disciplinas diferentes. ”. 

Aliviada por ter concluído a maioria das matérias do seu curso antes da pandemia, Ana Carolina agora acompanha e aconselha seus colegas.  “A gente recebe reclamação no grupo sobre [a disciplina de] Cálculo que tem muita tarefa. Uma das meninas desse grupo de alunas negras da computação me falou que estava com muita dificuldade, disse ‘não sei se esse sentimento é normal, mas eu estou com muito medo de perder a bolsa”’.

Dados do Instituto de Pesquisa Datafolha mostram que devido , a falta de equipamentos e estrutura os alunos em situações mais vulneráveis tiveram dificuldades para se adaptarem ao ensino remoto. De acordo com o Instituto, cerca de 4 milhões de estudantes abandonaram os estudos em janeiro de 2021. A evasão no Ensino Básico foi maior nas escolas públicas e no Ensino Superior, o maior número de trancamentos foi nas Universidades Privadas. Na classe A, a taxa de abandono chegou a 6%. Já nas classes D e E, as mais vulneráveis, chegou a quase 11%.



“A situação é muito grave e, nesse contexto, ficar discutindo conteúdo é não entender o período histórico que a gente está vivendo”, diz a pesquisadora Pâmella Passos, consciente do drama de alunas como a colega de Ana Carolina. “Paulo Freire fala da pedagogia dos sonhos possíveis, que a gente possa pensar os nossos sonhos possíveis, porque querem tirar os nossos sonhos.”

LINK PARA ENTREVISTA COM  A PÂMELLA PASSOS

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